Sou da opinião de que, quando queremos convencer alguém, o melhor é ser franco. Honesto mesmo, reconhecendo inclusive os pontos negativos da perspectiva que será defendida. Por exemplo, usar camisinha.
Costumavam dizer, na adolescência, que a tal camisinha, tão necessária, não faria qualquer diferença na nossa aguardada dança horizontal. Ora, claro que faz diferença — e o mais sensato é estar pronto para isso. O papo do dentista é outro clássico: garantem que "não vai doer nada", mas, dependendo do dia, você sai de lá como se tivessem asfaltado a sua boca. Tem ainda a falácia do trabalho, de que basta fazer o que ama para jamais se sentir trabalhando, ou abstrações genéricas como "você jamais se arrependerá de seguir seu coração".
Não, não, o melhor é ser verdadeiro. Dar a real, como se fala. Dito isso, sabemos que focinheira é um troço invasivo, talvez desconfortável e, claro, ninguém quer ver seu cachorrinho com cara de Hannibal Lecter. Mas, só neste mês de outubro, em Porto Alegre, dois casos perturbadores deixaram claro que essa resistência ao acessório — um fenômeno brasileiro, é bom lembrar — precisa ser superada.
No bairro Hípica, um senhor de 84 anos teve a orelha praticamente decepada por dois pitbulls e outro cão sem raça definida. Dias depois, no Menino Deus, um american bully (uma derivação do pitbull) atarraxou os caninos no joelho de uma mulher e saiu a arrastá-la pela calçada, ignorando os pedidos de trégua da própria tutora e os pontapés que recebia do namorado da vítima. O vídeo é horripilante.
Toda vez que ocorrem episódios assim, surge o velho debate sobre um suposto instinto violento de determinadas raças, mas, como não há consenso científico em torno disso, a discussão fica sempre improdutiva. O enfoque que deveria avançar é muito mais óbvio: existe uma lei federal que obriga, no espaço público, focinheira em cachorros de grande porte e de raças específicas, mas ninguém dá a mínima para ela. Por quê? Porque, na cabeça do dono, aquele monstro de 40 quilos é sempre um bebê incompreendido.
Por mais fofinho que ele seja, não estamos falando só de cachorros, estamos falando de regras de convivência. Assim como a camisinha ou o dentista, a focinheira pode não ser a coisa mais agradável do mundo, mas é melhor lidar com o desconforto do que com as consequências.