Paulo Germano

Paulo Germano

Jornalista formado pela PUCRS, está em ZH desde 2006, mas foi em 2015 que se tornou colunista do jornal. Antes, atuou nas áreas de política, geral, cultura e esportes. É comentarista da RBS TV. Já venceu o Prêmio Petrobras de Jornalismo e foi finalista do Prêmio Esso. PG, como é chamado, escreve sobre vida real.

Travessia polêmica
Opinião

Ameaça aos botos da barra: nova ponte Imbé-Tramandaí não pode expulsar a Geraldona

Litoral gaúcho tem um dos únicos lugares do mundo onde os golfinhos interagem com pescadores e mostram onde estão os peixes

Paulo Germano

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Jefferson Botega / Agencia RBS
Boto se aproxima de pescadores na barra do Rio Tramandaí: inusitada parceria já foi tema de inúmeros trabalhos acadêmicos

A mais famosa é a Geraldona, uma senhora de quase 40 anos. Para um boto, é bem velhinha, mas sua desenvoltura ao apontar para os pescadores a localização dos peixes ainda impressiona.

– Garante o sustento de muita gente – atesta Nilton Izidoro, 52, que há três décadas arremessa tarrafas na Barra de Tramandaí, onde o rio de mesmo nome se encontra com o mar.

Geraldona já treinou Coquinho e Bagrinho, filhos que agora cresceram e também se especializaram em mostrar onde estão os cardumes. Ou seja, não é só entre os pescadores que a atividade passa de geração em geração.

A chamada pesca cooperativa funciona assim: com a nadadeira para fora da água, o boto vai cercando as tainhas com movimentos circulares, empurra os peixes em direção à margem e, como se não bastasse, ainda ergue a cabeça para apontar o local exato do cardume – é como se gritasse "agora sim, atirem essas tralhas!". Pronto: todas as tarrafas se estendem ali, bem no ponto que a Geraldona, ou o Bagrinho, ou a Esperança, ou a Catatau indicou.

– A gente sabe qual é o boto por causa da nadadeira. A da Catatau, por exemplo, é mais baixinha – explica Nilton.

Essa inusitada parceria, embora já tenha existido em outros dois ou três países, só ocorre hoje em Tramandaí e na barra de Laguna (SC) – a rede britânica BBC chegou a produzir um documentário sobre o fenômeno na cidade catarinense.

Tema de inúmeros trabalhos acadêmicos, atração para turistas e veranistas, a pesca cooperativa agora encara uma incógnita no litoral gaúcho: a nova ponte entre Imbé e Tramandaí, se for mesmo construída onde está prevista, pode espantar os botos para sempre. Ao menos é o que dizem pesquisadores, ambientalistas e pescadores da região – segundo eles, o barulho, a movimentação de veículos pesados e a vibração dos pilares embaixo da água acabariam com a atividade.

Mateus Bruxel / Agência RBS
Cada boto é reconhecido pelas características da nadadeira

Já sei que alguns discordam, também sei que a nova travessia é importante para o desenvolvimento da região, concordo que a ponte atual é insuficiente, e tudo isso precisa ser levado em conta, mas, vão me desculpar, patrimônio é patrimônio. Era só o que faltava a construção de uma ponte (ou de qualquer coisa que seja) não poder trocar de lugar para preservar uma das mais extraordinárias heranças culturais, ambientais e históricas do Litoral Norte.

Que fique claro: longe de mim ser contra investimentos – sou de Porto Alegre, conheço muito bem o buraco onde essa  mentalidade retrógrada nos enfiou. Mas uma cidade só prospera de verdade se souber valorizar justamente o que tem de único, o que tem de genuíno, autêntico, diferente, singular.

Há quem diga que não, que a nova ponte, naquele local, não prejudicaria os rodopios de Geraldona e sua trupe. Mas, por enquanto, é tudo achismo. Já passou da hora de a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) vir a público informar, afinal, quais são os riscos dessa obra. Porque o show precisa continuar.

Mateus Bruxel / Agência RBS
Nova ponte seria construída sobre a barra do rio


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