Botos ameaçados de extinção, que existem apenas no Brasil, no Uruguai e na Argentina, protagonizam uma interação rara e curiosa na barra do Rio Tramandaí, no Litoral Norte. Na chamada “pesca cooperativa”, os botos-de-Lahille localizam cardumes de tainha, perseguem esses peixes, empurrando-os em direção à margem e ainda orientam aos pescadores o momento exato de lançar a tarrafa.
A indicação ao pescador se dá por alguns sinais com o focinho, como uma cabeçada, explica o pesquisador do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar), o biólogo Ignacio Moreno.
Quando começou essa interação os pesquisadores não sabem, mas relatos de pescadores dão conta de que já ocorria na década de 1960. Moreno ressalta que tem sido ensinado de geração para geração – de humanos e de botos.
– Existe uma cultura sendo passada, as fêmeas ensinam o filhote a pescar com o pescador, e os pescadores também aprendem com os mais velhos como pescar com o boto – esclarece o biólogo.
Os pescadores e os pesquisadores criaram uma relação com os animais, dando nomes para eles. A “matriarca” da maior parte dos botos que fazem a parte cooperativa é a Geraldona, que Moreno conhece desde 1991, quando ele ainda estava na faculdade.
Ela já teve vários filhotes: o Chiquinho, o Flechinha, o Ligeirinho, a Rubinha.
– A Rubinha já tem dois filhotes. Às vezes a gente vê a Geraldona com a Rubinha e um neto pescando – acrescenta Moreno.
Acredita-se que o boto se beneficia da pesca cooperativa ao usar a tarrafa como uma barreira para a contenção das tainhas: dispensa menos energia para capturar um ou dois peixes atordoados.

Moreno demonstra preocupação com o futuro dessa interação, acredita que ela está ameaçada com a verticalização intensa de Tramandaí com a possibilidade de que o mesmo ocorra em Imbé. Também há projetos para outras interferências do homem, como a construção de marinas e pontes na barra.
Em Rio Grande, já teve pesca cooperativa décadas atrás. Em 2008, o biólogo Pedro Freut, que ganhou um dos principais prêmios de preservação do mundo com um projeto que tenta salvar a espécie, ainda registrou essa interação. Mas não é comum.
– Faltam locais adequados para isso – diz Pedro. – Em Tramandaí, tem aquele declive, entra com água pela cintura. Aqui se perdeu isso, as margens do estuário se transformaram demais.