O objetivo, mais adiante, é derrubar o muro da Mauá – secretários do prefeito Sebastião Melo se debruçam sobre o assunto, solicitam estudos, consultam engenheiros, mas sabem que a polêmica é grande: se a ideia avançar, portanto, ainda levará tempo para sair do papel. Por isso, a curto prazo, a meta é pelo menos melhorar a cara do paredão.
No início da próxima semana, a prefeitura vai lançar um edital de adoção do muro – na verdade, de um trecho dele. A empresa que assumir os 750 metros de concreto entre a Avenida Sepúlveda e a Rua General Portinho (um pouco antes do Gasômetro) deverá instalar vegetação, renovar a pintura e apresentar outras melhorias para a estrutura.
Mais detalhes serão divulgados por Melo, mas sabe-se que o adotante, em troca, poderá fixar algumas placas de publicidade ao longo do trecho. O governo inclusive já mapeou empresários interessados. Como o contrato de adoção deve ser relativamente curto – algo em torno de um ano –, até lá a intenção é avançar no debate público sobre a derrubada do muro.
Faz décadas que a discussão esbarra na resistência de grupos contrários, na falta de vontade política ou na burocracia estatal. O argumento mais frequente para manter o paredão é que ele faz parte, como se sabe, de um sistema de contenção de cheias muito maior: começa no limite com Cachoeirinha e vai até a Avenida Diário de Notícias.
– O muro é um elo de uma grande corrente. Se a gente arranca esse elo, toda a estrutura que protege a cidade contra inundações fica comprometida. Ou seja: quando o Guaíba subir, a água toda será direcionada para esse buraco – diz o presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Lago Guaíba, Valery Pugatch, que também é diretor do Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul.
Ele ressalta que é possível, sim, remover o muro – desde que se apresente uma alternativa comprovadamente eficaz para substituí-lo. Por exemplo: em Praga, na República Checa, uma barreira removível é montada pelo Exército quando há previsão de cheias. O arquiteto e urbanista Anthony Ling, editor do site Caos Planejado, entende que a retirada do paredão é uma necessidade quase óbvia:
Se por um lado o muro protege a cidade, por outro ele destrói. É incalculável o quanto Porto Alegre perdeu ao segregar aquela área.
ANTHONY LING
Arquiteto e urbanista
– Se fizéssemos um concurso, solicitando projetos para resolver essa questão das cheias, sem dúvida a proposta menos criativa, mais tosca e mais prejudicial à configuração urbana da cidade seria a construção de uma parede.
Segundo Ling, já que o contrato de concessão do cais foi cancelado em 2019, uma futura parceria com a iniciativa privada precisa prever uma alternativa ao muro. Afinal, qualquer investidor teria interesse em ver seu empreendimento conectado com o restante da Capital, sem uma barreira que impeça o contato direto com o público.
– Se por um lado o muro protege a cidade, por outro ele destrói. É incalculável o quanto Porto Alegre perdeu em valorização, em qualidade de vida, em atração de turistas, em geração de renda, em criação de empregos, ao segregar uma área com tanto potencial – analisa Anthony Ling.