Depois da coluna de segunda-feira (29), sobre as doses da vacina que eventualmente sobram no fim do dia, alguns leitores me criticaram. Segundo eles, meu texto era “desnecessário” e “inconsequente”, porque estimulava aglomerações ou até tumultos nos locais de vacinação.
Esses leitores, de fato, acertaram em um ponto: após a publicação, houve situações desagradáveis, sim, envolvendo gente mal-educada em farmácias e postos de saúde. Por outro lado, qualquer cidadão erra – e erra feio – ao sugerir que um jornalista esconda uma informação relevante.
A informação é um direito. O contribuinte tem o direito, portanto, de saber como e onde o dinheiro dos impostos que ele paga é aplicado – e nada tem consumido mais dinheiro de impostos, no Brasil, do que a vacina. Se um grupo de pessoas faz mau uso desse direito, que é a informação, como pode alguém culpar o emissor da informação? Ora, a culpa é de quem fez mau uso dela.
Na segunda-feira, precisaram até chamar a polícia para conter baderneiros que exigiam injeções da chamada “xepa da vacina”. Trata-se, como já expliquei, de duas ou três doses que podem – eu disse podem – sobrar no final do expediente, depois que todo mundo já foi vacinado. Para não perder a validade, essas doses acabam sendo aplicadas em pessoas que não estavam na fila.
Talvez eu tenha errado, no texto de segunda-feira, ao não ressaltar com maior veemência o seguinte: as chances de alguém ir atrás da xepa e se frustrar são gigantescas. Porque:
1) É preciso sobrar alguma dose, o que, em boa parte das vezes, não ocorre;
2) Se sobrarem doses, a prioridade absoluta é aplicá-las em pessoas do mesmo grupo que foi vacinado naquele dia, ou do grupo imediatamente posterior na ordem de prioridade, ou, se não for possível, do grupo que vem logo depois;
3) Caso não haja ninguém com esse perfil, o posto de saúde ou a farmácia NÃO TEM OBRIGAÇÃO ALGUMA de aplicar a xepa em quem estiver aguardando ali: os funcionários podem, e devem, buscar na própria comunidade pessoas que se enquadrem nos grupos prioritários.
E estão certíssimos ao fazer isso. Este é o momento de vacinar os mais velhos – são eles que mais morrem, que mais desenvolvem quadros graves e que, portanto, mais sobrecarregam o nosso esgotado sistema de saúde. Não é hora de vacinar marmanjo nem rapagoa, então vamos esperar!
Quero deixar aqui minha solidariedade aos vacinadores que ouviram desaforos nos últimos dias. Graças a eles, além da competente organização da prefeitura, Porto Alegre já vacinou 15% da população – segundo a Secretaria Municipal de Saúde, somos a capital com o percentual mais alto do país. Não é a xepa que vai mudar alguma coisa.