Fiquei meio chateado. Adoro quando um governo tem ideias que transgridem a obviedade – eu sei, a lista de propostas ousadas que jamais saíram do papel é tão grande em Porto Alegre que, quando nos apresentam algo mais arrojado, nossa primeira reação é achar ridículo. Deve ser um mecanismo de defesa: melhor achar ridículo logo, porque, se o projeto naufragar, não fico frustrado depois. Mas confesso que nunca achei ridícula aquela roda-gigante de 80 metros de altura, pelo contrário: achava espetacular.
Ontem à tarde, em conversa por telefone, a secretária municipal de Parcerias, Ana Pellini, me confirmou que a construção da roda-gigante deixará de ser obrigatória para quem vencer a licitação do trecho 2 da Orla do Guaíba. A intenção é atrair mais interessados, mais empresários que topariam botar dinheiro ali.
Para ficar bem claro: com a roda-gigante, o futuro investidor teria de gastar R$ 70 milhões nas obras de urbanização da área – que incluem passeio público, bares, restaurantes, playground e um novo Anfiteatro Pôr do Sol. Sem a roda-gigante, o valor despenca para R$ 25 milhões. Como o cenário econômico é delicado, o atual governo preferiu abrir mão desse atrativo, que certamente seria único: um mirante giratório do tamanho do Centro Administrativo, com cabines panorâmicas fechadas, erguido sobre aquela estreita – e abandonada – península atrás do anfiteatro.
– Consultamos uma série de potenciais investidores, e o interesse foi pequeno justamente por causa da roda-gigante. Eles dizem que, só com a cobrança de ingressos, não seria possível obter um retorno razoável – conta Ana Pellini.
Eu entendo essa parte, claro, o projeto precisa ser viável. Aliás, a ideia da secretária, agora que o novo edital está quase pronto, é fazer uma nova consulta ao mercado para avaliar se a licitação deve ser lançada logo, ainda no primeiro semestre, ou se o momento atual pede alguma protelação, devido ao pico da pandemia.
É verdade que outra grande atração poderá ser construída, e talvez ela seja magnífica. Mas talvez seja comum. Ou talvez nem exista.
Tudo isso é correto, sem dúvida. Minha questão é a seguinte: vale a pena deixar praticamente todas as decisões sobre o futuro de uma área tão estratégica nas mãos dos empreendedores? Não que eles sejam malvados, nada disso, mas porque algum diferencial realmente inovador é o que faz uma cidade ser realmente inovadora. A roda-gigante cumpria esse papel: nenhum lugar do mundo teria aquilo, daquele jeito, naquele tipo de lugar.
É verdade que o vencedor da licitação poderá construir outra grande atração no local, e talvez ela seja magnífica. Mas talvez seja comum. Ou talvez ela nem exista, porque o edital deixará de prever essa obrigatoriedade. Melhor seria eu ter achado, desde o início, a roda-gigante ridícula. Não teria me frustrado.