Houve a carreata desta sexta (27), é verdade, mas o que realmente me preocupa, ao menos em Porto Alegre, é um movimento desorganizado de pessoas, uma turma aqui, outra acolá, que já menospreza as orientações de ficar em casa.
É gente que não aguenta mais falar sobre o vírus – um assunto que, de fato, começa a ficar repetitivo. E aí vêm as contestações sobre as medidas restritivas. Contestações, é bom lembrar, que ocorrem só por um motivo: a doença ainda parece distante.
– Fecharam tudo, nos encheram o saco e, até agora, só morreu um ou dois – ouvi de um freguês do mercadinho aqui do lado, único lugar que ainda me tira de casa.
A covid-19 ainda não chegou aos nossos amigos, aos nossos parentes. Mas todas as autoridades em saúde que entrevistei, e não foram poucas, garantiram que vai chegar. Não tem como não chegar. A dúvida é se veremos muitas pessoas próximas da gente infectadas ao mesmo tempo, ou se será possível diluir a propagação do vírus em um período de tempo maior.
Segundo técnicos da Secretaria Municipal da Saúde, o pico de infecções deve ocorrer entre o final de abril e o início de maio. É lá que vamos sentir a doença verdadeiramente por perto – e é lá que veremos o impacto mais violento no sistema público de saúde.
O que não parece claro é que o isolamento social é importante agora, já, hoje, neste instante, justamente para evitar que ali adiante, no fim de abril, a multidão de pessoas infectadas seja tão gigantesca, tão caótica e desordenada, que dezenas de pacientes graves acabem morrendo por falta de respiradores e leitos.
Mas sobre a carreata desta sexta. Como é triste que pessoas com acesso à informação assumam uma postura tão kamikaze. Todos os países que tentaram, em algum momento, tocar a vida de maneira mais normal, abrindo mão da quarentena, voltaram atrás. Todos: Inglaterra, Holanda, Itália. Por que aqui seria diferente?
Por causa dos superpoderes do povo brasileiro, que consegue mergulhar no esgoto sem ficar doente, como disse o presidente Bolsonaro? Não acredito. Eu acredito em ciência, em evidências: se puder, por favor, fique em casa.