Dois grupos vão ter que se reinventar: as empresas de ônibus, que pararam de nadar em dinheiro, e a turma que vociferava contra o lucro dessas empresas de ônibus.
Porque, das 12 concessionárias que operam o transporte coletivo em Porto Alegre, 10 amargaram prejuízo em 2018. Em 2017, foram 11 com resultado negativo. E, no ano anterior, todas as 12 acabaram sem lucro. Os dados foram divulgados nesta quarta-feira (19) pela prefeitura de Porto Alegre – é a primeira vez que o balanço financeiro das companhias vem a público.
Alguém vai perguntar se é possível manipular os dados. Claro que é, mas são esses documentos que as empresas enviam à Receita – portanto, não temos outra fonte mais confiável. A pergunta que não quer calar, na verdade, você talvez já esteja fazendo: se a situação é assim tão dramática, por que ninguém larga o osso? Por que as mesmas concessionárias que dominam o setor há décadas insistem em um modelo falido?
Há uma explicação. Especialistas no assunto mencionam aquilo que, no jargão econômico, chamam de bicicleta: se eu parar de pedalar, eu caio. Ou seja, caso a empresa feche, não há mais receita para pagar os fornecedores, os financiamentos, os empréstimos, e o passivo trabalhista vai às alturas com tanta demissão.
Já na situação atual, bem, pelo menos existe um contrato. Quer dizer: ali na frente, caso a penúria prossiga, as companhias podem acionar a Justiça alegando que o prejuízo, lá atrás, quando venceram a licitação, não estava previsto. Enquanto isso, como mostrou a reportagem de Alberi Neto, de GaúchaZH, as próprias empresas é que descumprem o contrato: não renovam a frota de ônibus e, assim, aliviam o prejuízo.
O fato é que algo precisa ser feito. Exigir um aumento delirante da passagem, como os consórcios fazem todo ano, já se mostrou um tiro no pé. Porque, quanto mais a tarifa sobe, mais gente deixa de andar de ônibus para andar de Uber. E aí as empresas, com menos passageiros – e, portanto, menos receita –, aumentam de novo o valor da passagem, o que faz mais gente deixar de andar de ônibus para andar de Uber. É um sistema insustentável.
A falência do transporte coletivo pode ser irrelevante para quem vive nos bairros centrais, mas não para quem mora nas periferias: uma corrida de aplicativo da Restinga ao Centro custa R$ 40. E é justamente esse público, com poder aquisitivo mais baixo, que banca sozinho uma estrutura que já é péssima.
Para mudar essa realidade e garantir outras formas de financiamento, a prefeitura enviou no mês passado à Câmara de Vereadores um pacote de projetos. Alguns são bons, outros são antipáticos, mas pelo menos são ideias. Dizer que "é hora de reduzir o lucro dos empresários milionários" não é uma ideia, é uma caduquice.