Sobre esses dois mortos – ambos na Orla, ambos no mesmo dia –, seria normal pensar que eles poderiam ter sido assassinados em qualquer lugar da cidade. Afinal, embora seja triste, mortes acontecem por aí. Só que não é assim: a Orla do Guaíba é justamente o local onde crimes violentos NÃO podem acontecer.
Por quê?
Bem. O consultor em segurança pública Alberto Kopittke, do Instituto Cidade Segura, afirma o seguinte: todas as cidades do mundo que reduziram seus índices de violência – e, felizmente, Porto Alegre está entre elas – têm espaços públicos que viraram símbolos.
Para entender, proponho voltarmos uns anos. Entre 2016 e 2017, a capital gaúcha figurava entre as 50 cidades mais violentas do mundo. A taxa de homicídios, segundo a Secretaria da Segurança Pública, chegou a 53,5 a cada 100 mil habitantes – o dobro do registrado no Rio, por exemplo. Para se ter uma ideia, uma "epidemia de homicídios", segundo a ONU, é quando ocorrem mais de 10 a cada 100 mil habitantes.
Sair na rua era um desespero.
Quando os índices já despencavam – hoje são 21,4 a cada 100 mil –, a nova Orla foi inaugurada. Era junho de 2018, e o porto-alegrense sentia-se convidado, estimulado, encorajado a ir para a rua outra vez. Ele foi. E a Orla, um sucesso desde o primeiro dia, virou símbolo dessa nova relação com o espaço público. Uma relação que, se não era perfeita, pelo menos era possível.
Alberto Kopittke diz que esses símbolos cumprem um papel fundamental na chamada "sensação de segurança": são espaços que mantêm no imaginário popular a percepção de que algo mudou, de que o horror passou.
Quando esses símbolos desmoronam, ou quando começam a sofrer um desgaste frequente – cinco meses atrás, um adolescente foi morto na Orla com uma garrafa enfiada no coração –, a tendência é a população recuar. Ir embora, desocupar o local. E, quando perdemos a referência de lugar seguro, tudo começa a parecer inseguro.
Não custa lembrar: a Brigada Militar e a Guarda Municipal têm feito um bom trabalho de policiamento na Orla. Mas as forças de segurança, em um esforço integrado de inteligência, terão de desvendar por que o nosso maior símbolo de vida ao ar livre, até agora, não se livrou da selvageria.