Durante os 10 anos em que viveu no Rio, embora viesse para Porto Alegre sempre que podia, Humberto Gessinger tinha dificuldade para explicar aos cariocas por que adorava a terra natal. Agora, aos 55 anos, morando no bairro Auxiliadora, o fundador dos Engenheiros do Hawaii reflete sobre isso: qual era o obstáculo para expressar o que sentia? Ele é o quarto entrevistado da série que marca o aniversário da Capital.
Um baita lugar.
Adoro a Praça Gustavo Langsch (na Bela Vista). Não é muito conhecida, só me dei conta da sua beleza quando me mudei para perto dela. Tem uma diversidade bacana de árvores e é frequentada por muitos pássaros. Pelo declive acentuado, não é utilizada para corridas nem caminhadas, o que faz dela uma praça tranquila, introspectiva. No outono, com o chão coberto de folhas, se transforma em uma obra de arte. Fiz a capa do disco inSULar lá e, sempre que possível, é onde faço minhas reuniões de trabalho. Regadas a chimarrão ou bergamota.
Não tem mas deveria ter.
Porto Alegre deveria fazer jus ao nome. Andamos entristecidos por aqui. Nossa autoestima sempre andou na corda bamba, entre euforia e depressão, e os últimos tempos não têm ajudado muito. O Carnaval vem enfrentando problemas, nossa relação com o Guaíba é esquizofrênica, as obras da Copa se arrastaram... Dia a dia, nossos sonhos vão ficando menores. Mas o importante é não desistir deles. Senso crítico é fundamental, mas talvez seja hora de ver o copo meio cheio.
O melhor daqui.
Vez por outra até posso reclamar que a cidade une o que há de pior em cidades grandes e pequenas. Mas, na maior parte do tempo, acho que ela junta o que há de melhor em cada escala. Com boa vontade, dá para brincar de ser interiorano ou cosmopolita, conforme a vibe do momento. Morei 10 anos no Rio e lá me dei conta de que meu amor por Porto Alegre não é muito fácil de explicar. Sempre que tinha uma folga, vinha para cá. Meus amigos cariocas perguntavam por que, mas eu nunca soube "vender" Porto Alegre. O amor que tenho pela cidade não é coisa de turista, não cabe num guia, é feito de detalhes: o pôr de sol avermelhado, o sotaque cantado – que juramos não ser cantado –, as quatro estações bem definidas – que às vezes pintam no mesmo dia, para desespero do guarda-roupa –, o senso de humor particular, o prazer de caminhar por ruas que conheço desde guri…
O amor que tenho pela cidade não é coisa de turista, não cabe num guia: ele é feito de detalhes.
Tem que resolver logo.
Não vou citar problemas que me parecem ser do mundo, da época ou do país. Para ser mais modesto, me bastaria que fôssemos melhores motoristas. Dirigimos como se estivéssemos "de a cavalo".
A cidade em 2029.
Datas festivas não são a melhor hora para ser muito realista. Então, imagino uma cidade democrática, com espaços públicos generosos e agradáveis. Uma cidade onde motoristas usam mais a seta do que a buzina. E Porto Alegre será, em todo o planeta, a cidade com o maior número de títulos mundiais de futebol – graças a seus dois grandes clubes, cujas torcidas se respeitam e nunca brigam. A violência terá ficado no passado, junto com os muros e as grades que separavam o que é meu do que é nosso, lá nos idos de 2019.