Mãe de seis filhos – três biológicos e três de criação –, a arquiteta Diza Gonzaga ganhou a admiração da cidade quando transformou a dor de perder um deles, em 1995, em uma obsessão por prevenir mais mortes no trânsito. Aos 65 anos, a criadora da Fundação Thiago de Moraes Gonzaga, hoje diretora institucional do Detran, lamenta que "pessoas educadas" se revelem "seres da Idade Média" nos automóveis de Porto Alegre – uma cidade que, sim, ela adora.
Um baita lugar.
A orla do Guaíba. Como me criei no Interior, em Vacaria, queria dar aos meus filhos esse contato com a rua, essa vida um pouco menos urbana. E, há 40 anos, quando a Zona Sul nem era tudo de bom, comprei uma casinha de frente para o Guaíba, na Vila Assunção. Meus filhos se criaram atravessando a rua para pescar. Depois, já formada em arquitetura, desmanchei a casa e ergui outra no mesmo terreno, onde moro até hoje. Não tem nada melhor: as pessoas caminham, pedalam, se encontram para ver o pôr do sol, tomam chimarrão. Ali se vive a cidade.
Não tem mas deveria ter.
Gentileza e respeito. No trânsito, o automóvel aqui é uma armadura medieval: pessoas educadas se transformam em seres da Idade Média. Você vai a São Paulo, com aquela loucura toda, e não vê as pessoas buzinando como buzinam aqui – porque elas se conformaram, entenderam que a dinâmica é aquela e pronto. Aqui na Diário de Notícias, por exemplo, a velocidade máxima é de 60 km/h. Então eu ando a 60 km/h. Mas as pessoas gritam, xingam, buzinam, ultrapassam: elas não admitem que eu respeite a lei.
O melhor daqui.
Um pouco do que eu disse antes. Embora seja uma capital, Porto Alegre conserva traços do Interior, mas não só na Zona Sul: Petrópolis, Menino Deus, Moinhos de Vento, todos são bairros acolhedores, com ruas tranquilas e arborizadas, com casas que lembram a minha infância. Aqui onde eu moro, alguns vizinhos, quando vão viajar, pedem para a gente ficar de olho na casa deles. Não tem alagamento porque, como as vias são de paralelepípedo, o solo é permeável. No verão, algumas regiões registram 2ºC a menos. O Bom Fim também tem isso: o boteco da esquina, o armazém, o convívio com o bairro. Isso é maravilhoso.
Ainda temos bairros acolhedores, ruas arborizadas, o boteco da esquina, o armazém. Isso é maravilhoso.
Tem que resolver logo.
A segurança. Se por um lado temos essa coisa do Interior, por outro esses horrores de metrópole violenta nos impedem de viver com mais leveza. A gente não chega mais em casa e simplesmente abre o portão da garagem: a gente olha para o lado, vê se não vem um estranho, coisa que há 20 anos não existia. Meus filhos saíam tranquilos de bicicleta, e hoje até saem, mas não podem levar o celular. Se queremos caminhar para admirar o Guaíba, vamos sem carteira ou até nem vamos. A cidade vai ter mais vida quando voltarmos a nos apropriar do espaço público.
A cidade em 2029.
Vamos seguir com o nosso colorido dos jacarandás, das paineiras e das extremosas, mas imagino uma cidade com gosto e cheiro de muita vida. Quando a vida for prioridade, quando todos pudermos viver Porto Alegre, quando a gurizada deixar de frequentar só shoppings, quando nos sentirmos menos monitorados, aí vamos sentir outra pulsação na cidade. O melhor de uma cidade é viver a cidade. É o que eu quero em 2029.