Diza Gonzaga não pôde acompanhar seu filho Thiago, morto em um acidente de trânsito aos 18 anos, entrar na faculdade e criar a própria família. Vinte anos se passaram desde que a arquiteta pegou o filho sem vida nos braços e se descobriu repetindo, incrédula: "Vida urgente". Ela viu, porém, crescer, especialmente entre os jovens, a preocupação com a segurança de motoristas e passageiros, a inibição ao uso excessivo do álcool, a conscientização quanto aos perigos de beber e dirigir. E, sabe, é uma das responsáveis por isso.
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Ao criar a Fundação Thiago de Moraes Gonzaga, um ano após a morte do filho, Diza não esperava chegar tão longe. Nas salas da instituição abarrotadas de fotos de jovens vítimas da imprudência, acumula medalhas, certificados de reconhecimento e troféus nacionais e internacionais. Fala com naturalidade sobre a morte do filho, depois de revivê-la tantas vezes. Mas não esquece a dor. Garante que, mesmo se não tivesse feito da tragédia a base de um projeto que, talvez, tenha salvado tantos outros Thiagos, também não a teria superado. Aprendeu, contudo, a conviver com a perda.
Fruto da vontade de prevenir mais mortes no trânsito e ajudar pais que passam por esse mesmo sofrimento, a fundação completa 20 anos amanhã. São anos de visitas a bares, incentivando caronas seguras; de palestras em escolas, alertando para a perigosa combinação entre álcool e direção; de captação de voluntários, às vezes jovens demais para poder beber ou dirigir, mas eficazes portadores de uma mensagem que preza, antes de tudo, pela vida.
– Quem sabe, se houvesse um trabalho de conscientização como esse naquela época, o Thiago ainda estivesse aqui. Não há como estimar a importância das campanhas, das exposições, da mensagem. Isso tudo fazia muita falta. Ainda faz. Se tivermos, nesse tempo, contribuído para poupar uma só vida, já terá valido a pena – avalia Diza.
Aplausos para o "motorista da noite"
Muito mudou desde 1996. Não só na fundação, hoje referência mundial em conscientização no trânsito, mas também na Porto Alegre que um dia viu Thiago pegar uma carona para não mais voltar. Diza avalia que a preocupação das autoridades, há duas décadas, era somente com sinalização e controle de tráfego, "como se os carros andassem sozinhos". Com o Vida Urgente, buscou-se alertar sobre os riscos da direção perigosa.
– Nos primeiros anos, a frase que mais ouvimos foi "eu dirijo melhor quando estou bêbado!". Quando íamos aos bares com um bafômetro, quem estava com mais álcool no sangue era aplaudido. Hoje, aplaudem quem se dispõe a não beber para levar os amigos para casa em segurança.
O trabalho, claro, não é feito somente por ela. São 20 mil voluntários cadastrados no programa, que se dividem em diversas ações. A sede da fundação recebe reuniões entre psicólogos e pais que perderam os filhos. Há também visitas a escolas.
– São esses voluntários que fazem o Vida Urgente acontecer – diz.
Nesta sexta-feira, haverá um evento no Bar Opinião, para comemorar os 20 anos da fundação. Foi lá que Thiago esteve em 20 de maio de 1996.
Para o diretor-geral do Detran/RS, Ildo Mário Szinvelski, não é mera coincidência que, enquanto a fundação comemora 20 anos, o Estado registre redução de acidentes de trânsito. Foram 14,4% menos mortes e 16,1% menos acidentes fatais em 2015, na comparação com 2014.
– Embora seja difícil medir o impacto de cada ação, sabe-se que a educação é fundamental para as políticas de trânsito. É um trabalho de formiguinha com resultados a longo prazo.
Uma característica que ajuda a explicar o sucesso da fundação é que a abordagem, direcionada aos jovens, é feita por jovens. Para a psicóloga Denise Quaresma da Silva, isso representa um meio-termo entre a pressão da família e a punição dos órgãos de trânsito – que agiriam menos em evitar a primeira ocorrência:
– Se o consumo de álcool for incentivado na família e a pessoa se considerar apta a dirigir depois de beber, ela não vai parar até ter uma punição. A conscientização intermedeia isso, mostra que a sociedade não considera essa uma prática adequada.
Trajetória de conquistas
Maio de 1995
O jovem Thiago de Moraes Gonzaga morre em um acidente de trânsito na saída de uma festa em Porto Alegre.
Maio de 1996
A Fundação Thiago de Moraes Gonzaga é criada com o objetivo de evitar que tragédias como essa se repetissem.
Junho de 1996
A primeira ação do Vida Urgente, batizada "Madrugada Viva", é realizada em bares e casas noturnas da Capital
Agosto de 1996
Com uma palestra em Caxias do Sul, a fundação realiza seu primeiro projeto fora de Porto Alegre
Maio de 1997
É celebrado o primeiro "Vida Urgente in Concert", apresentação que reúne bandas nacionais e regionais
Setembro de 1997
A primeira exposição itinerante do programa toma forma e logo se espalha para diversas cidades
Setembro de 1998
Estreia o espetáculo teatral "Exército de Sonhos", primeira peça idealizada pela fundação
Outubro de 1998
É lançado o Vida Urgente São Paulo , primeira incursão do programa fora do Rio Grande do Sul
Maio de 2000
A Câmara de Vereadores de Porto Alegre aprova a criação da Praça da Juventude Thiago de Moraes Gonzaga
Maio de 2001
Com o Vida Urgente Pelotas, a fundação chega à região Sul do Estado
Junho de 2002
O "Buzoom", carona segura do Vida Urgente, é inaugurado no Festival de Gramado
Setembro de 2004
é lançado o projeto "Borboletas pela Vida", que pinta de branco o asfalto em locais onde foram registrados acidentes fatais
Maio de 2005
O espetáculo "Último Dias de um Super-Herói" estreia encenando a realidade dos adolescentes no trânsito
Abril de 2006
A fundação dá início ao programa de capacitação de voluntários, preparando jovens e adultos para a conscientização
Setembro de 2007
Diza Gonzaga entrega ao Ministério da Justiça abaixo-assinado pela proibição da venda de álcool nas estradas
Novembro de 2009
A ONU convida a fundação para a primeira conferência global sobre segurança no trânsito, realizada em Moscou
Outubro de 2010
Grêmio e Inter deixam a rivalidade de lado e se unem à fundação em ações do programa "Torcida pela Vida"
Setembro de 2011
A capacitação de voluntários chega ao México, marcando sua primeira formação fora do Brasil
Janeiro de 2012
A fundação passa a integrar a Aliança Global de Organizações Não Governamentais pela Segurança Viária