Cleiton vai logo me mostrando o chuveiro:
– Banho quentinho todo dia, sabe o que é isso?
Bruna diz que já tem uma nova meta.
– Trabalhar num supermercado, esse é o meu sonho – revela ela, para depois deixar claro: – Mas o que aparecer eu vou adorar.
O casal que vivia no canteiro central da Rua Mariante, bem na junção com a Avenida Goethe, sem teto mas com um capricho de parar o trânsito – era cama arrumadinha, mesa de jantar enfeitada, fogão sempre limpo, penteadeira improvisada –, agora me apresenta a cozinha e seus dois quartos.
Desde a semana passada, moram no andar de cima de uma casa na Vila Cruzeiro, na zona sul de Porto Alegre. O aluguel de R$ 500 quem paga é a prefeitura: eles estão entre os nove ex-moradores de rua beneficiados até agora pelo programa Moradia Primeiro, do governo Marchezan.
Bruna Nascimento, 34 anos, tinha nove na última vez em que dormiu sob um teto. Cleiton Rodrigues, 28, tinha 15. Dizem não caber em si de tanta alegria, mas reconhecem uma angústia crescente.
– Uma coisa é estar desempregado na rua. Outra é ter conta para pagar – preocupa-se Cleiton.
Informalmente, eles sempre trabalharam catando latas, mas o que nunca os deixava passar fome eram as doações. Agora, ninguém mais enxerga a necessidade dos dois – talvez seja o ônus da privacidade. Bruna tem rodado o bairro entregando currículos; Cleiton aguarda a carteira de trabalho ficar pronta.
Por outro lado, os meses em que viveram no canteiro central da Mariante lhes garantiram bons amigos. As advogadas Paula Espíndola, 27 anos, e Letícia Loureiro, 45, criaram um grupo de WhatsApp com 25 pessoas dispostas a ajudar o casal. Dali saíram a geladeira, um conjunto de sofás, a cama e outros presentes que vão chegando.
– Eles nunca nos pediram dinheiro – sublinha Paula. – E o que mais nos tocou é que, mesmo na rua, eles tentavam desesperadamente montar uma casa.
Passaram anos e anos tentando. Quem tanto insiste um dia vence.