Impressionante essa obsessão por mudar de vida. Toda semana leio um texto novo, em geral de gente jovem, defendendo arroubos de ousadia como premissa para ser feliz. São pessoas que largam tudo para vender pastel vegano em Itacaré, ou virar garçom nas Bahamas, ou juntar-se ao Médicos sem Fronteiras na Etiópia. Mas a moda mesmo, a grande sensação do momento sem dúvida alguma é morar em Dublin. Como gostam de Dublin.
Acho tudo isso lindo, experiências incríveis, o que me incomoda é o tom de imposição dessa nova postura. Como se trabalhar em um escritório, ou ganhar dinheiro em troca de conforto, ou especialmente conviver com frustrações, fracassos e rotinas – rotinas, claro, nem sempre inspiradoras – fosse um tributo à mediocridade.
Não me parece que morar em Dublin seja, em regra, mais enriquecedor do que conviver com frustrações, fracassos e rotinas nem sempre inspiradoras. Eu aqui, por exemplo, boa parte dos aprendizados que a vida me deu vieram dessas três coisas. O que me soa preocupante é justamente ser incapaz de conviver com frustrações, fracassos e rotinas nem sempre inspiradoras. Encarar isso tudo pode ser, às vezes, bem menos medíocre do que largar tudo. E até mais eficiente na busca pela felicidade.
Lembro de um cultuado vídeo no YouTube que começava com o narrador provocando:
– O que você está fazendo agora? É algo que realmente ama?
Ora, não. Às vezes, adoro escrever; outras vezes, sofro tanto para parir um texto, que não seria exagero dizer que odeio. Amar meu trabalho, amar mesmo, como amo minha família e alguns amigos, sinceramente, não creio que seja o verbo apropriado. Eu me frustro bastante. Nem por isso acho que seria mais feliz fazendo outra coisa.
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O tal vídeo, como boa parte dos textos que pregam mudanças abruptas no estilo de vida, tem transformado a felicidade na mais cruel imposição contemporânea. Nem o culto à magreza ou à beleza é tão rasteiro. Porque a idolatria do corpo é contestada e combatida, tem suas futilidades denunciadas o tempo todo, mas a glorificação da felicidade carrega um falso viés de filantropia, como se fosse muito nobre exigir de todos algo tão elementar na existência humana.
O resultado dessa ode ao bem-estar é uma epidemia de insatisfeitos, principalmente no trabalho. Jovens que, após seis meses no primeiro emprego, vão morar na Irlanda porque estão "cansados". É incrível a quantidade de jovens cansados. Deprimem-se porque jamais serão felizes como os ativistas da alegria, que abarrotam a web com suas invejáveis guinadas no amor e na carreira, sempre acompanhadas de frases edificantes.
Uma dessas frases é atribuída a Confúcio: "Escolha um trabalho que ame e não precisará trabalhar um único dia na vida". Que bobagem. Eu e o Carlos André Moreira, editor do caderno DOC, esses tempos ficamos imaginando o jovem Confúcio, 500 anos antes de Cristo, época em que poucos podiam escolher o próprio trabalho – em geral, aprendia-se na família uma atividade para sobreviver –, refletindo angustiado na vastidão dos campos chineses:
– Cansei de ser pastor de ovelhas. Com a expansão militar do Império, acho que a onda agora é ser ferreiro!
Ora, por favor.
É corajoso e admirável alguém mudar de vida não para fugir das frustrações, mas para enfrentá-las. Alguém mudar de vida reconhecendo que, seja como vendedor vegano em Itacaré ou como garçom nas Bahamas, novas frustrações serão sempre inevitáveis – e sempre pedagógicas, enriquecedoras, necessárias. Porque ideal o mundo nunca vai ser. No mundo possível, felicidade é algo que se constrói. E construí-la dá trabalho.