Em primeiro lugar, o governo Dilma foi um desastre. Em segundo lugar, aí está o que escrevi em dezembro de 2015, exatamente um ano atrás: "O Brasil errou ao eleger Dilma e errará de novo se derrubá-la".
Pois derrubou-a. E, vamos deixar claro, não houve golpe coisa nenhuma – teve uma denúncia fundamentada, teve a soberania do Congresso e teve um Supremo aprovando o rito. Só que o rito garante a legitimidade, a constitucionalidade do processo; não garante que o processo seja justo.
Verdade que a justiça é subjetiva: você pode ter achado justo o processo de impeachment, porque de fato havia elementos que configuravam crimes de responsabilidade. A questão é que um impeachment precisa de mais do que isso. Um impeachment, em um regime presidencialista, é grave demais para ocorrer sem consenso. E nunca houve consenso em torno do impeachment de Dilma – nem na esfera jurídica, nem na política, nem nas ruas.
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Faça um teste. Vire-se para o lado agora e pergunte à pessoa mais próxima por que Dilma caiu: duvido que ela mencione os decretos de créditos suplementares ou as barbeiragens fiscais. Faltou a materialidade, a concretude, a dimensão necessária para caracterizar um ato que justificasse o afastamento de uma presidente da República. Faltou a incontestável certeza de que sim, aquilo merecia uma expulsão sumária, como a corrupção de Collor mereceu.
Não estou defendendo Dilma – ela manipulou estatísticas, maquiou um déficit colossal, mentiu na campanha, tratou o dinheiro público como ninguém trataria um cofrinho de prateleira –, o que estou defendendo é essa entidade abstrata e disforme chamada instituições. Elas se esfrangalharam depois do impeachment.
Quando não há consenso na sociedade, quando um grupo desmonta sozinho uma instituição tão medular como a Presidência, é este grupo que ganha força – não a sociedade inteira. E este grupo, sem o aval da sociedade, sente-se legitimado a praticar os desvarios institucionais que bem entender.
Esses desvarios começaram no mesmo dia do impeachment, quando o Congresso decidiu afastar Dilma e, com a anuência do presidente do Supremo, manteve os direitos políticos da presidente afastada. Qualquer idiota sabe que, ao sofrer um impeachment, o governante perde seus direitos políticos. Só que a lei vai se transmutando ao sabor das conveniências desse grupo.
Uma decisão do ministro Marco Aurélio Mello ordenou que Renan Calheiros deixasse a presidência do Senado. Mas Renan foi orientado – veja só por quem – por outro ministro do Supremo a dar um perdido, um migué, um pelezinho no oficial de Justiça até que o pleno do tribunal cassasse a liminar. Sabe o que aconteceria se você descumprisse uma liminar? Seria preso, porque neste caso a lei valeria.
Aí o Supremo, de fato, cassou a liminar que afastava Renan recorrendo a uma invencionice ridícula: ele poderia seguir na presidência do Senado, desde que saísse da linha de sucessão da Presidência da República. Por favor! Ou ele deixa o comando do Senado e deixa a linha de sucessão, ou continua no comando do Senado e permanece na linha de sucessão. Mas preferiu-se atropelar a Constituição em nome de uma suposta estabilidade política – ora, não se gera estabilidade política com isso, o que se gera é uma desordem jurídica e uma baderna institucional.
Aliás, a primeira instituição atacada, a Presidência da República, hoje se encontra assim: o presidente que prometia um ministério de notáveis preferiu uma trupe de questionáveis, não apresentou avanço algum no campo econômico e no campo ético, foi citado 43 vezes na primeira delação da Odebrecht, priorizou interesses paroquiais como o apartamento de um ministro, tem míseros 10% de aprovação popular e, para 63% da população, deveria renunciar imediatamente.
Que legitimidade tem um presidente desses para decidir, por exemplo, sobre os investimentos do país nos próximos 20 anos? E olhe que nunca achei a PEC do Teto todo esse horror. Mas que legitimidade tem Eliseu Padilha – apontado como um repositório de propinas na delação mais recente – para liderar debates sobre os rumos do Brasil em nome de todos nós?
As instituições foram à bancarrota. E a única forma de recuperá-las é, primeiro, reerguendo o pilar central derrubado em 31 de agosto de 2016. Elegendo um presidente que tenha, de fato, legitimidade para decidir em nosso nome. Um presidente que tenha votos. Chega, Temer, saia daí. Tchau, querido. Fora, Temer.