Produzir consensos e fazer com que a reunião do G20 tenha resultados práticos exige habilidade diplomática, bom senso e cuidado com as palavras. A ponderação é ainda mais importante em um cenário global de divisões político-ideológicas acentuadas e motivadas por conflitos armados. Cabe ao Brasil, anfitrião do encontro, ser modelar na postura equilibrada para evitar que impasses frustrem os encaminhamentos finais da cúpula entre as maiores economia do mundo.
O multilateralismo pressupõe a cooperação entre múltiplos países para encontrar soluções para problemas globais
Foi preocupante, neste sentido, o impropério da primeira-dama brasileira, Rosângela da Silva, a Janja, endereçado ao bilionário Elon Musk, dono da rede social X e futuro membro do governo de Donald Trump nos EUA. A esposa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ter boas razões para não simpatizar com Musk e sua prepotência. O ataque, entretanto, foi em momento gratuito e inoportuno. A grosseria, além de destoar da busca por harmonia que deveria nortear as figuras públicas brasileiras no G20, tem o potencial de atrapalhar a pretensão de uma convivência distensionada entre o Palácio do Planalto sob Lula e a Casa Branca comandada por Trump.
O próprio Lula já criticou Musk em termos duros. Mas, mais sensato ou esperto, desta vez desautorizou a esposa, mesmo sem citá-la. “Não temos que xingar ninguém”, disse o petista, direcionando o foco para a pauta do encontro no Rio.
O Brasil preside pela primeira vez o G20, grupo que reúne 19 países, a União Europeia e, desde 2023, a União Africana. O comando é rotativo, a cada ano, e cabe à nação que lidera o colegiado sediar o encontro e formular a agenda de discussões. A pauta proposta pelo Brasil inclui combate à fome, desenvolvimento sustentável e reforma da governança global. São temas que, pelas suas nuances e diferentes visões de governos, não são de fácil acordo. Um exemplo da dificuldade desta costura delicada foi a decisão do presidente francês, Emmanuel Macron, de visitar o colega argentino em Buenos Aires para “conectar” o ultraliberal Javier Milei com as prioridades do G20. Ontem foi anunciada a criação da Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, um plano ambicioso para acabar com a miséria e a desnutrição até 2030, com a adesão de mais de 80 países. A própria Argentina, antes relutante, optou por se somar à iniciativa. Foi uma vitória da diplomacia.
A declaração final do encontro do G20, prevista para ser assinada hoje pelos chefes de Estado, ainda ontem era motivo de intensas negociações e pressões. Taxação de grandes fortunas, posição sobre guerras em andamento e financiamento para a transição energética e de medidas para mitigar o aquecimento global e suas consequências eram temas à espera de consenso. Só com diálogo será possível alcançá-lo. Insultos apenas estorvam.
O multilateralismo pressupõe a cooperação entre múltiplos países para encontrar soluções para problemas globais. Caso a cúpula do G20 se frustre por impasses, o grupo corre o risco de perder relevância. Cresce também a percepção de crise na governança internacional. Espera-se que seja possível superar as divergências e construir a conciliação possível, que permita ao mundo a esperança de um enfrentamento efetivo dos desafios do presente e do futuro.