Não é todo dia que um rei é visto tossindo e cuspindo sangue no vaso sanitário do banheiro do palácio. A cena de abertura da esperada série original da Netflix The crown, sobre o início do reinado de Elizabeth II, causou certo desconforto aos súditos – os verdadeiros, que vivem no Reino Unido, e não apenas os fãs espalhados pelo mundo. Por aqui, tratar os reais como humanos tem uma aceitação bem diferente.
O rei já mencionado é George VI, o rei gago, pai de Elizabeth, que morreu vítima de um câncer de pulmão. A cena em questão, interpretada por Jared Harris (Mad men e Sherlock Holmes: o jogo das sombras), gerou comentários, mas é justamente nessa indiscrição, a sensação de espiar a privacidade atrás das portas do castelo, que reside o segredo de The crown.
O seriado tem roteiro de Peter Morgan, o mesmo do filme A rainha e da peça The audience, e direção de Stephen Daldry, de Billy Elliot. Muito se fala sobre o esmero da luxuosa produção da Netflix, com custo estimado em 100 milhões de libras – algo em torno de R$ 500 milhões. Um deslumbre que consumiu, só na réplica do vestido de casamento de Elizabeth, 30 mil libras (uns R$ 150 mil). Mas está nos diálogos o poder de cativar os telespectadores mais exigentes ou com maior conhecimento da realeza. Não se trata de documentário, é um drama que relata os bastidores da família que se autodenomina “a firma”. Mas é um dos primeiros trabalhos em que se veem personagens debatendo existencialmente e de forma direta a pergunta que não quer calar: “Para que mesmo servem essas pessoas?”.
Até agora, com a primeira temporada disponível (10 capítulos de uma hora), houve pouca crítica à fidelidade aos fatos históricos. Sabe-se que Morgan se permitiu algumas invenções. Quando o rei morre, Elizabeth (Claire Foy, a Ana Bolena de Wolf Hall), está no Quênia. No retorno a Londres, antes de descer do avião, a nova rainha recebe uma carta da avó, explicando que a partir de então viverá o eterno drama entre os papéis de soberana e mulher. A carta nunca existiu. Mas a cena dá o tom da abordagem do seriado: a jovem que assumiu o cargo aos 26 anos no fundo sonhava em ser uma mãe de família com vida tranquila no interior. Porém, entre a família e o dever, optou pelo trabalho.
A insegurança da nova rainha, pedindo conselhos ao duque de Windsor (Alex Jennings, o Charles de A rainha), que abdicou do trono para viver o romance com a divorciada americana Wallis Simpson, também é questionada por especialistas nos Windsor.
Mas The crown se esmera na construção da realeza, com o acréscimo de pontuar com importantes acontecimentos da segunda metade do século 20. Há também um pouco dos bastidores políticos, mostrando a importância de Winston Churchill (vivido pelo veterano John Lithgow) na formação de Elizabeth II – ele foi seu primeiro premiê, e outros 14 se seguiriam.
Em um dos bons diálogos de The crown, a nova rainha pede conselhos para sua avó, Mary. Novata no posto, ela mostra desconforto com seu papel decorativo. O conselho, verdadeiro ou não, parece ter sido bem seguido pela jovem na vida real:
– Não fazer nada é o trabalho mais difícil de todos. Ser imparcial não é natural. As pessoas vão sempre querer que você franza a testa ou sorria – o minuto que você faz, você terá declarado um ponto de vista. E essa é a única coisa, como soberana, que você não pode fazer.
Mesa farta contra a crise
Mudanças radicais no varejo inglês. Uma das marcas mais queridas do país, a Marks & Spencer’s, anunciou reposicionamento no mercado para lutar contra a queda brusca nos lucros. Com lojas de produtos de casa, roupas e também comida (especialmente uma linha de produtos semiprontos), a M&S decidiu focar em comida.
Nos últimos seis meses, a queda de vendas foi de 6% em relação ao mesmo período do ano passado. Serão fechadas 30 unidades na Inglaterra e outras 45 serão reduzidas ou adaptadas para vender apenas a linha de comida, abandonando o vestuário. A rede também encerrará sua atuação na maior parte dos mercados internacionais, inclusive na França.
Mas, até 2019, planeja abrir outras 200 lojas, exclusivas da linha de alimentos.
A M&S é uma rede de departamentos tradicionalíssima, aberta em 1884, em Leeds. Guardadas as proporções, seria mais ou menos como a antiga Mesbla no Brasil.
A mudança de plano da M&S é obra do CEO da multinacional, Steve Rowe – no cargo desde abril, depois de diversas trocas de comando. Uma série de fatores externos pode ter ajudado para o péssimo desempenho da empresa nos últimos anos. Há uma crise geral no varejo, que sofre com a angústia de atrair o interesse do consumidor para novas peças em períodos cada vez mais curtos. Pesquisas recentes apontam que muitos optam por gastar com comida e experiências, como viagens, do que com roupas. A desvalorização da libra também afetou o mercado, assim como o tempo maluco: neste ano, o calor chegou tarde e o inverno também demorou.
Por fim, entra a parcela de responsabilidade de posicionamento da própria M&S, que se debate entre ser a loja da “senhorinha” inglesa, com cashmeres comportados, e das trintonas descoladas, com linhas assinadas por celebridades como a fashionista Alexa Chung.
Nesta batalha, perdeu o vestuário e ganhou a comida.