Vejam só esta: o governo em fim de mandato da Espanha, de Mariano Rajoy, decidiu nesta sexta-feira conceder a nacionalidade espanhola à irmã e ao cunhado do opositor venezuelano Leopoldo López e a outros quatro de seus compatriotas, buscando protegê-los da perseguição que sofrem em seu país.
López é um dos quase 80 presos políticos da Venezuela.
– Como se lembrarão, no conselho de ministros de 11 de dezembro foi aprovada a concessão por carta de natureza da nacionalidade espanhola aos pais de Leopoldo López e hoje o fazemos nos mesmos termos a sua irmã e ao seu cunhado, Cristina López e Hernán José Cifuentes – disse a nº 2 do executivo, Soraya Sáenz de Santamaría.
– Ambos se encontram em dramática situação pessoal e familiar como consequência da perseguição política que injustamente sofrem tanto seu irmão, Leopoldo López, quando seu pai e em geral toda a família – acrescentou em entrevista coletiva, ao término da reunião semanal do conselho de ministros.
Essa decisão busca que "a nacionalidade espanhola lhes permita enfrentar a perseguição à qual são submetidos em seu país com maiores garantias democráticas", explicou Soraya.
Pelos mesmos motivos, o governo deu também a nacionalidade espanhola ao empresário venezuelano Luis Carlos Sierra Carmona, a esposa e os dois filhos.
Sierra Carmona é diretor do jornal venezuelano El Nacional, "cujas investigações jornalísticas relacionadas ao regime bolivariano" lhe valeram uma denúncia ante a Justiça, disse Saénz de Santamaría.
A Venezuela, com sua profunda crise institucional, fragmentação política, inflação estimada em 700% anuais, desabastecimento de produtos básicos e violência fora de controle, apresentou nesta sexta um cenário de guerra.
Exercícios de defesa
Mais de meio milhão de militares e milicianos iniciaram dois dias de exercícios de defesa em uma Venezuela sob estado de exceção e em meio a esforços internacionais para abrir um diálogo entre o governo de Nicolás Maduro e a oposição.
Maduro ordenou à Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) que mobilize a artilharia a fim de se preparar para enfrentar, segundo ele, eventuais agressões externas, em meio a um aumento dos conflitos sociais e das tentativas da oposição de tirá-lo do poder por meio de um referendo revogatório – que é previsto constitucionalmente como ferramenta democrática e política utilizável a partir da metade do mandato.
Aviões Sukhoi 30 Mk2 e outras aeronaves faziam voos de reconhecimento em várias regiões do país, inclusive as zonas fronteiriças, segundo imagens da TV, que mostraram ainda deslocamento de tanques de guerra e tropas.
– Peço ao povo que se some para fazer da Venezuela um território inexpugnável. Nunca antes tínhamos feito um exercício desta natureza e deste alcance – declarou o ministro da Defesa, general Vladimir Padrino, da base aérea de Barcelona, no Estado de Anzoátegui (norte).
Há um ano, uns cem mil efetivos fizeram manobras depois que o presidente americano, Barack Obama, declarou a Venezuela como uma "ameaça" à segurança dos EUA, ao emitir sanções contra vários funcionários. Mas desta vez Maduro decidiu que aos mais de 160 mil membros das FANB se somem centenas de milicianos e reservistas.
Agora, Maduro decidiu que, aos efetivos militares, se somem centenas de milhares de reservistas e milicianos, algo "sem precedentes", conforme o ministro da Defesa, general Vladimir Padrino López.
– Este exercício não é para provocar nenhum alarme no país – afirmou Padrino, que o justificou afirmando que a Venezuela "está ameaçada" por fatores internos e externos que pretendem "quebrantar a revolução".
– Fazer essas mobilizações com a desculpa das ameaças externas é uma boa maneira de demonstrar que está a postos e criar temor nas pessoas – disse, para a agência de notícias France Presse (AFP) o cientista político Benigno Alarcón.
Culpa do "imperialismo americano"
O presidente chavista sustenta que os EUA estão planejando uma intervenção na Venezuela, a pedido da "direita fascista venezuelana" após o que define como "o golpe de Estado do Brasil" contra Dilma Rousseff.
– Esse referendo é para gerar as condições para esquentar as ruas e justificar um golpe de Estado ou uma intervenção estrangeira, para isso estão tentando ativá-lo, com muito pouco apoio – afirmou Maduro na noite de quinta-feira, em um ato de seu partido.
O líder opositor moderado Henrique Capriles, principal promotor do referendo, afirmou em entrevista à BBC que um levante militar "está no ar", pois a FANB está "dividida" entre uma "cúpula militar corrupta" e o restante de militares, afetados pela penúria econômica.
Depois de ter declarado há uma semana estado de exceção, Maduro afirmou que não hesitará em decretar a "comoção interna" )– que implicaria em restrições a liberdades civis – se ocorrerem atos "golpistas violentos".
À tensão política se soma o aumento do mal-estar social, diante da dramática escassez de alimentos básicos e remédios, e do elevado custo de vida, já que o país tem a inflação mais alta do mundo (foi de 180,9% em 2015 e, como dito acima, é projetada em 700% para 2016).
Vizinhos de um setor de Valencia, capital do Estado de Carabobo (centro), reportaram saques a lojas na noite de quinta-feira. Nas últimas semanas, aumentaram os distúrbios em supermercados, devido à falta de alimentos.
Diante do agravamento da crise política e econômica na Venezuela, uma mediação internacional, às instâncias da Unasul, tentará abrir um diálogo.
Chile, Argentina e Uruguai formularam nesta sexta-feira um chamado "urgente" ao diálogo na Venezuela, conforme declaração conjunta das três chancelarias.