O governo de Mauricio Macri começa sob dúvidas em relação a suas primeiras medidas. São levantadas questões no plano da atuação democrática e, simplesmente, da conduta ética. O historiador argentino Carlos Malamud fez um texto questionando: iniciar um governo se utilizando de decretos é motivo de reprimenda ou simplesmente obedece à necessidade de modificar estruturas erguidas com base em visões autoritárias e centralizadoras da antecessora?
Malamud começa o texto dizendo que "algumas medidas iniciais de Macri provocaram intensa polêmica". Depois, relata as críticas feitas e conclui assim: "É óbvio que todo governo democrático que se preze deve respeitar a lei e as instituições. Não há dúvida. No entanto, devido à natureza especial dos momentos de transição, nem tudo funciona de maneira exemplar. Nos 12 anos de governo Kirchner (Néstor e depois Cristina), muitas instituições foram esvaziadas de conteúdo, sendo criadas leis para a governabilidade e a supremacia presidencial. Estavam na ordem do dia juízes acomodados a essa realidade, serviços de inteligência e a administração tributária trabalhando para o governo e não pelo interesse do Estado, com a aplicação linear de maiorias absolutas. Assim, o partido que estava no poder prefere agora falar mais das instituições e da institucionalidade do que de ilegalidade. Caso contrário, grande parte de suas ações seriam reveladas. Na difícil transição do populismo para a democracia, a luta pela legitimidade institucional está apenas começando."
Uau! Polêmico demais, hein?
O que você acha?
Pois bem. Hoje é um dia de protestos contra Macri, o presidente que tomou posse no dia 10 e que tem tomado algo como uma medida de impacto por dia.
Macri, que descansa com sua família no sul da Argentina, anunciou, no Diário Oficial também de hoje, que revisará contratos de funcionários públicos. E as marchas defendem justamente a manutenção dos postos sob ameaça.
São muitos interesses em xeque!
Um dos decretos determina que todos os ministros e autoridades de organismos descentralizados do Estado "revisem os processos de concurso e seleções de funcionários". Isso mexe com kirchneristas que se mantêm nas hostes governamentais apesar de terem o presidente como um adversário.
Não restam dúvidas: é uma situação desconfortável.
As marchas seguem até o Ministério do Trabalho e foram convocadas pela Associação de Trabalhadores do Estado (ATE), um dos dois maiores sindicatos que representam os funcionários públicos.
A mobilização foi convocada depois que, na semana passada, o ministro da Modernização, Andrés Ibarra, anunciou que serão revisados 24 mil contratos de funcionários públicos e 11 mil concursos realizados desde 2013.
Os manifestantes também protestaram contra o chamado "ajuste de Macri", após a desvalorização do peso em quase 30% e a disparada inflacionária.
Conforme o jornal La Nación, o quadro de funcionários da administração pública cresceu 54% nos 12 anos de gestão kirchnerista iniciada em maio de 2003, passando de 240 mil para mais de 370 mil funcionários.
Outros dois decretos publicados nesta terça-feira suspendem duas leis do Congresso relacionadas com a Justiça, em meio a pressões pela renúncia da Procuradora-geral, Alejandra Gils Carbó, apesar de seu cargo ser vitalício e de sua nomeação ter sido aprovada por ampla maioria do parlamento.
Um outro decreto repassa para a Corte Suprema as escutas judiciais, que tinham sido transferidas por lei no começo de 2015 à secretaria de inteligência da Procuradoria-Geral da União, comandada por Gils Carbó.
Mais uma norma, ainda, adia a aplicação do novo Código de Processo Penal, que deveria vigorar a partir de 1º de março.
O ministro da Justiça, Germán Garavano, anunciou a assinatura do Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) como "única alternativa" ao governo diante da decisão de "corrigir algumas faculdades outorgadas ao Ministério Público".
- Não temos Congresso e há decisões urgentes - justificou.
Outra publicação no Diário Oficial foi a nomeação da cientista política Laura Alonso, ex-deputada macrista, como a nova responsável pelo Gabinete Anticorrupção, para o qual foi eliminado o requisito de ser advogado, título que Alonso não tem. Mais uma polêmica foi a nomeação de María Eugenia Talerico, ex-advogada do Banco HSBC em casos de lavagem de dinheiro, como segunda pessoa na hierarquia da Unidade de Informação Financeira, que tem como objetivo combater a evasão fiscal.