Na visão deste carnavalesco de sofá, a cena mais emblemática do maior espetáculo da Terra, como ainda merece ser chamado o Carnaval do Rio de Janeiro, foi a atriz Paolla Oliveira virando onça no desfile da Grande Rio. Com um capacete movido por controle remoto, a rainha da bateria transformou-se numa fera com olhos de LED, sem deixar de sambar, retornando em seguida à sua forma humana original.
Questionada por um repórter sobre quem acionava o mecanismo que fazia a cabeça do felino encobrir a sua, Paolla foi irônica e brilhante:
— Eu mesma apertava. Você acha que uma onça vai dar o controle para alguém?
Resumo perfeito para a grande revolução feminina dos tempos atuais. Ainda estamos muito longe da igualdade de gênero desejada por todas as pessoas conscientes e de boa vontade, mas cada vez mais mulheres estão conseguindo superar barreiras culturais históricas para serem o que quiserem.
No contexto do empoderamento feminino, destaco uma outra grande contribuição que vem da literatura. Quando a menina dos meus olhos me apresentou um livro escrito para despertar belas adormecidas, fui correndo me informar mais sobre ele. Descobri, então, por que a obra criada por duas autoras italianas há quase uma década transformou-se não apenas em fenômeno literário traduzido em dezenas de países, mas também em eficiente estímulo à autoestima de meninas leitoras. Refiro-me a Histórias de Ninar para Garotas Rebeldes, de Elena Favilli e Francesca Cavallo, livro que simplesmente relata, em textos curtos ao estilo dos antigos contos de fada, biografias de mulheres de verdade que conquistaram espaço próprio em diversas áreas do conhecimento humano.
Trata-se de uma daquelas “ideias poderosas cujo tempo chegou”, como anteviu o poeta francês Victor Hugo. Incomodadas com o estereótipo de gênero dos livros infantis, que retratam os homens como protagonistas e as mulheres como princesas, Elena e Francesca decidiram provar, em linguagem acessível e de fácil compreensão para as crianças, que nenhuma garota precisa ficar esperando pelo príncipe encantado para se realizar.
Então, começaram a juntar biografias de mulheres, famosas ou nem tanto, que enfrentaram preconceitos, lutaram e alcançaram seus propósitos de vida. A goiana Cora Coralina está no primeiro volume. Já existe até uma edição especial com cem brasileiras.
Paolla Oliveira, que superou críticas preconceituosas para brilhar no último Carnaval, ainda não está lá. Mas já merece, principalmente por mostrar que uma mulher pode virar onça para se defender, sem deixar de ser uma verdadeira rainha.