Tive um tio muito trapalhão, que gostava de contar as histórias de suas gafes para rir junto com os ouvintes. Ainda recordo de uma de suas narrativas em que ele foi da Zona Norte para o centro da cidade em seu próprio carro, estacionou por lá, fez o que tinha que fazer e voltou de ônibus para casa, esquecendo-se de que fora dirigindo. Esquecer nem sempre é engraçado, como sabem todas as pessoas afetadas por doenças do cérebro ou com familiares nessa condição. Mas tratar do tema com um pouco de humor ajuda a atenuar a preocupação que nos assalta sempre que a memória nos trai.
Descobri recentemente um consolo interessante para os esquecidos: a culpa é das portas. Li outro dia que é bem comum isso de passarmos sob um dormente e esquecermos o que fomos fazer no outro ambiente da casa ou do escritório. Um estudo realizado pela Universidade de Notre Dame (nos Estados Unidos e não na França) demonstrou que a mente humana interpreta uma porta como evento-fronteira para a memória. Segundo os cientistas, a passagem de uma peça para a outra sinaliza para o cérebro o fim de um episódio e o começo de outro, levando-o a arquivar as informações anteriores.
Os pesquisadores fizeram um teste com voluntários, utilizando aquelas construções virtuais no computador, semelhante ao antigo jogo SimCity. Lembram? Bom, não importa. O desafio era cruzar 55 ambientes grandes e pequenos, cada um com duas portas, pelas quais o avatar deveria passar recolhendo objetos de uma peça e colocando-os em outra. Depois, os voluntários eram confrontados com os nomes de objetos e tinham que dizer se eram os mesmos que haviam transportado. A constatação: sempre que os voluntários passavam por uma porta virtual, a memória despencava.
Então os cientistas criaram um cenário real semelhante, cada peça com uma caixa cheia de objetos que os participantes da experiência manipulavam e mudavam de lugar. Quando atravessavam uma porta para o próximo ambiente, bingo: esqueciam o nome dos trastes que haviam tirado da caixa. O estudo foi publicado na revista científica Quartely Journal of Experimental Psychology.
Sabendo disso hoje, fico pensando que a porta do ônibus deve ter sido decisiva para meu velho e querido tio, que já atravessou também o portal deste plano terreno, mas tão cedo não será esquecido pelas pessoas que o conheceram e riram de suas histórias.