Senhor gerente, mesmo saudando a decisão do governo de não mais exigir dos aposentados e pensionistas do INSS que se desloquem aos bancos e repartições públicas para comprovar que ainda respiram, peço-lhe que aceite e registre a seguinte declaração:
Declaro, para os devidos fins, que sempre fui considerado o mais preguiçoso de uma família de quatro irmãos, porque realmente não era muito chegado ao esforço físico, mas foi esse rótulo que me desafiou a ingressar no mercado de trabalho ainda na adolescência – aos 15 anos, como auxiliar de feirante –, e que ainda me mantém ativo mais de meio século depois.
Declaro, para os devidos fins, que sou capaz de digitar uma crônica de amenidades como essa sem olhar para o teclado do computador, simplesmente porque fui um datilógrafo usuário dos 10 dedos, formado pela didática da repetição, com as mãos encobertas sobre as teclas pesadas das velhas máquinas de escrever.
Declaro, para os devidos fins, que permaneço um leitor compulsivo de livros, provavelmente por ter provado em tempos remotos o veneno viciante das histórias em quadrinhos, então condenadas por alguns professores e vistas com desconfiança por pais e tutores, supostamente por desviar a atenção das crianças da realidade para o mundo da fantasia.
Declaro, para os devidos fins, que ainda sei andar de bicicleta e que uma das maiores sensações de liberdade que já experimentei foi descer a Lomba do Japonês (no bairro da minha infância) em alta velocidade, sem as mãos no guidom, com o vento batendo no rosto e a pretensão adolescente de estar transformando irresponsabilidade em ato de coragem.
Declaro, para os devidos fins, que ainda sou capaz de fazer embaixadinhas com uma bola de futebol, um pouco para me exibir, mas também para lembrar que fui um esforçado meia direita nas peladas de pés descalços por campos infestados de rosetas e decorados pela passagem do gado que pastava no local antes e depois dos jogos.
Declaro, para os devidos fins, que sou um homem rico de amores e amizades conquistados no longo, penoso e prazeroso aprendizado das relações humanas, e que pretendo desfrutá-los por muito tempo, sempre com a preocupação de oferecer a devida reciprocidade.
Declaro, por fim, que estou vivo.