Recebi convite para participar de uma pesquisa psicanalítica que investiga os sonhos das pessoas durante a atual pandemia. É um trabalho sério e científico, com o propósito de avaliar como os sonhadores elaboram seus medos e vivências traumáticas. Lendo sobre esse assunto, fiquei sabendo que muita gente vem reportando sonhos estranhos neste período de recolhimento forçado e que, diferentemente do que ocorre em tempos de normalidade, a maioria acorda lembrando nitidamente do que sonhou.
Sou desse grupo. Quase sempre rememoro o meu último sonho da noite, ainda que seja alguma besteira perfeitamente descartável. Outro dia sonhei que estava numa reunião de trabalho na agência de comunicação de uma amiga querida. No comando do debate, ela fez o seguinte desafio:
- Temos um cliente que é criador de gado. Ele disse que os bois não querem comer. O que podemos sugerir para ele?
A questão já era bastante inusitada. Minha intervenção, curiosamente manifestada ao mesmo tempo em que outra pessoa da mesa fez a mesma proposta, foi ainda mais estapafúrdia:
- Por que ele não dá Biotônico Fontoura para os bichos? - perguntamos com seriedade.
Minha amiga riu muito quando liguei para ela e contei o que havia sonhado. Eu também achei graça, mas, depois, fiquei pensando se o relato que agora torno público serviria para a requisitada investigação. Por minha conta e risco, me arrisco a interpretá-la. Reunião de trabalho na agência? Desejo evidente de sair do confinamento. Gado sem apetite? Deve haver aí alguma analogia com as nossas preocupações atuais.
E o Biotônico Fontoura? Bom, isso certamente emergiu lá da infância, quando o xarope inventado pelo médico paulista Cândido Fontoura e batizado pelo escritor Monteiro Lobato era o principal remédio para crianças inapetentes. Para atenuar o efeito alcoólico da fórmula antiga, misturava-se biotônico, leite condensado e ovos de pata. Era tiro e queda!
Será que tem a ver com a busca da cloroquina milagrosa?
Acordei antes de saber se os bois voltaram a comer. Até por isso, vou aguardar outro sonho menos extravagante para submeter ao estudo psicossocial.