Quem não era bandido, era Durango Kid. Todos carregávamos revólveres de madeira, esculpidos a canivete, e ninguém tinha televisão em casa. Brincar de mocinho era tão atrativo quanto jogar bola naquela infância pré-histórica que os anos não trazem mais. Bastava um lenço grande o suficiente para encobrir o rosto e amarrar atrás da cabeça. E imaginação para soltar.
– Pá! Pá! Pá!
O tiroteio era interminável, pois enquanto houvesse saliva havia munição. Quem tinha um lenço escuro podia reivindicar o direito de ser Durango Kid, o herói que escondia o rosto e mostrava destemor para enfrentar facínoras e poderosos. Vestia-se inteiramente de preto. Nasceu do cinema, mas para nós, a meninada da periferia, só chegou no formato de história em quadrinho. Tínhamos também admiração por Roy Rogers e Gene Autry, mas Durango Kid – como o Zorro e os fictícios assaltantes de banco – carregava consigo o encanto da máscara.
Cada vez que visto a minha balaclava para enfrentar esses novos e duros tempos de pandemia, me lembro de Durango Kid. Pouca gente fala nele hoje, mas pode-se dizer que foi um precursor dessas máscaras que agora viraram moda forçada. O Guerrinha, na sua linguagem metafórica de turfista, de vez em quando menciona o nosso antigo herói, para se referir a alguém com pouca grana. Duro, durango: faz sentido.
O destemido e saudoso cavaleiro também aparece em diversas canções de tempos mais recentes. Raul Seixas lembrou dele no seu Cowboy Fora da Lei. Ney Matogrosso se requebra por ele ao interpretar uma conhecida composição de Sérgio Sampaio, Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua. Milton Nascimento deu o nome do mascarado para uma canção que evoca o passado e diz que o jornal é o seu revólver.
E eu, jornalista, pacifista e nostálgico, fui resgatá-lo na minha segunda infância, um tempo de ingenuidades em que as armas eram de mentirinha, os estampidos das balas eram gritos de crianças, os inimigos eram visíveis e – o mais importante – a vida sempre recomeçava depois dos tiroteios.