Sei que ainda não passou e que o pior talvez esteja por vir, mas tenho preferido concentrar minha atenção nos profetas do depois, que tentam visualizar o mundo pós-pandemia. A maioria acredita, como já cantava Milton Nascimento lá pelos anos 70, que nada será como antes, amanhã ou depois de amanhã. Os mais criativos até já lançaram um rótulo para esse futuro próximo: o novo normal.
Então, como será esse novo normal?
Seremos rastreados pela tecnologia - garantem cientistas da área da saúde -, para que as autoridades saibam em tempo real quem está saudável e quem representa algum tipo de risco para seus semelhantes. Dá um medinho, embora não seja muito diferente do que já ocorre hoje em âmbito comercial. Invasão de privacidade já é o velho normal. O preocupante, agora, é saber o que os detentores da informação farão para se livrar dos nossos males, amém.
Com os idosos já sabemos o que pretendem fazer os gestores do novo normal: segregá-los. Talvez também não seja muito diferente do que ocorre hoje com muitos velhos, alguns depositados em asilos e esquecidos pelos familiares. Tudo indica, porém, que a exclusão se acentuará. Sob o pretexto da proteção, os novos normalistas defendem o isolamento da vovozada até que o vírus (ou a vida) se extinga.
Trabalho em casa, o popular home office, é outra aposta dos previsores para os novos tempos - o que também nos remete aos velhos tempos. No seu Terceira Onda, o pai dos profetas modernos, o futurista norte-americano Alvim Toffler, previu que a tecnologia permitiria que as pessoas voltassem a trabalhar em casa, como na Idade Média, antes da Revolução Industrial. Portanto, esse aspecto do novo normal é bem antigo.
Em termos comportamentais, a previsão ditada pelo medo aponta para uma população de mascarados, uns desconfiando dos outros, pouco ou nenhum contato físico, individualidade extremada. Ora, pois, pois. Neste século do egoísmo, talvez a única novidade é que a máscara deixa de ser apenas metafórica.
Antes da chegada desse novo normal, prefiro apostar numa palavrinha também relativamente nova, chamada resiliência. Significa a capacidade de alguém ou alguma coisa retornar ao seu estado original, especialmente depois de passar por situações críticas ou difíceis. Tem um pouco de resistência e persistência, mas tem muito mais a ver com adaptação, flexibilidade e equilíbrio durante a turbulência. Outro dia vi uma reportagem televisiva em que uma menininha de oito anos fazia questão de vestir o uniforme escolar para acompanhar em casa a teleaula transmitida pela professora durante a quarentena.
Boa, garota! Vamos resilir!