Não há nada mais contagioso do que o medo. Ao citar essa frase, retirada do filme Contágio, o chefe do Serviço de Medicina Preventiva e Epidemiologia do Hospital de Clínicas de Barcelona, Antoni Trilla, tentava convencer seu entrevistador de que é pouco provável que o coronavírus de Wuhan se transforme num problema mundial grave. Fui correndo ver o filme, que estreou nos Estados Unidos em setembro de 2011 e, no Brasil, em outubro do mesmo ano. Portanto, quase uma década atrás.
É apavorante. Não o recomendo para pessoas impressionáveis. Tem tantas semelhanças com o momento atual, que parece uma premonição. O vírus letal, que acaba causando a morte de milhares de pessoas em todos os continentes, nasce em Hong Kong a partir de um porco contaminado por morcegos. Provavelmente esteja aí também a origem do vídeo repugnante (e falso, mentiroso e criminoso) da sopa de morcegos que circula na internet e estimula a disseminação de outro vírus, esse infelizmente verdadeiro e muito frequente em nossa sociedade: o do preconceito.
Na semana passada, a estudante de Direito da Universidade do Rio Marie Okabayashi, brasileira descendente de japoneses, foi insultada por uma passageira no metrô fluminense, apenas por ter feições orientais.
— Chinesa porca! Sai por aí espalhando doenças — disse a xenófoba senhora, em vídeo gravado por outros passageiros e que servirá de prova para o processo judicial anunciado pela ofendida.
Diante de ameaças imaginárias ou reais, podemos nos tornar extremamente egoístas e selvagens.
Temer é humano. Como não ter medo de um inimigo invisível e insidioso, capaz de passar de uma pessoa a outra pela simples respiração ou pelo toque inadvertido numa maçaneta de porta? No filme, aprendi também o que é fômite: qualquer objeto inanimado capaz de absorver, reter ou transportar organismos contagiantes ou infecciosos. Pode ser uma sola de sapato, um corrimão, uma toalha, uma mesa, um botão de elevador, qualquer coisa em que uma pessoa contaminada tenha tocado ou bafejado.
Mas esse medo natural pode se tornar descontrolado e despertar os nossos piores instintos. Diante de ameaças imaginárias ou reais, podemos nos tornar extremamente egoístas e selvagens. A ignorância também é viral. Associar o risco de contágio a pessoas com traços asiáticos apenas por suas aparências, sejam elas chinesas, coreanas, japonesas ou mesmo brasileiras, como no caso da jovem carioca, é o suprassumo da estupidez.
Precisamos nos precaver, também, contra o vírus da desumanidade.