Afora o desperdício de dinheiro público, aquela montanha de livros didáticos encaminhados à reciclagem sem ao menos terem sido abertos ou retirados de suas embalagens também simboliza o descaso com a cultura, com o conhecimento e com o trabalho dos profissionais envolvidos na produção e na publicação da obra literária. Claro que a primeira causa de indignação é a relação que se faz entre os recursos que faltam para serviços públicos essenciais e o papel triturado, como se as próprias cédulas de reais estivessem sendo transformadas em picadinho.
Mas é pior do que isso: ideias também estão sendo trituradas, futuros também estão sendo triturados.
Um livro didático contém o conhecimento e o trabalho de escritores, ilustradores, editores, impressores, divulgadores, vendedores e tantas outras pessoas que se envolvem na elaboração de uma obra pensada para estimular o ensino e a aprendizagem. Contém o esforço dos autores para produzir algo criativo, atraente e útil para os leitores. Contém a atenção e a responsabilidade de professores e orientadores educacionais, que leem os conteúdos e os identificam como apropriados para a formação de crianças e adolescentes. O livro didático tem que ser uma fonte confiável de informação, tem que ser adequado ao público a que se destina, tem que ser desafiador, inovador e servir de apoio para o trabalho pedagógico do professor.
Há ainda outra simbologia triste na trituração. Fica a impressão de que os sonhos de muitas crianças também estão sendo despedaçados. Sabe-se lá quantas não estarão perdendo a oportunidade de conhecer uma história inspiradora, de descobrir seu talento para a ciência, para a literatura, para a matemática.
Triturar livros didáticos é um crime imperdoável. Mas, por favor, não culpemos os operadores das máquinas. Aliás, pelo que li sobre o escândalo, foi um deles que fez a denúncia – e não um gestor público, um educador ou outro agente entre tantos envolvidos nesse processo deformado que não é novo nem localizado. Os verdadeiros trituradores do futuro são outros: os maus governantes, os maus administradores públicos e também – não já como ignorar – os maus cidadãos que se beneficiam ou se omitem diante de tamanha incúria.