Numa folha qualquer, Toquinho, Vinicius de Moraes e o italiano Maurizio Fabrizio desenharam um sol amarelo e uma das mais belas canções da música popular brasileira. Na Aquarela (que fatalmente descolorirá), os compositores fizeram surgir entre as nuvens um avião rosa e grená. E num dos seus versos mais emblemáticos, a letra diz que “Um menino caminha e caminhando chega ao muro/E ali logo em frente, a esperar pela gente, o futuro está./ E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar,/ não tem tempo, nem piedade, nem tem hora de chegar./ Sem pedir licença muda nossa vida,/ depois convida a rir ou chorar”.
Numa folha qualquer, um menino da favela da Maré, no Rio de Janeiro, desenhou um helicóptero colorido, com uma legenda mais contundente do que qualquer letra de música e que tem o sentido de um verdadeiro libelo social. Desconsiderados os erros gramaticais de uma criança aparentemente recém-alfabetizada, a mensagem é de uma clareza dolorida: “Eu não gosto do helicóptero porque ele atira para baixo e as pessoas morrem. Isso é errado!”
O desenho infantil mostra um helicóptero da polícia com agentes armados atirando em direção ao solo, onde estão um traficante e também algumas crianças. É uma cena comum para os milhares de habitantes das 16 comunidades pobres que integram o Complexo de Favelas da Maré. A mensagem do menino faz parte de uma remessa de 1.500 cartas e desenhos encaminhados por uma ONG local para a Justiça com o pedido da população para que as operações policiais sejam restringidas e controladas no local.
Triste realidade. Na cidade mais bonita do Brasil, na vitrine brasileira, na terra das garotas de Ipanema e de todas as praias, no chão abençoado pelo Cristo Redentor, um menino tem medo do helicóptero. Isso contraria a natureza. Crianças sempre amaram esse aparelho que flutua no ar e que faz voar também a imaginação.
Mas os meninos grandes estragaram tudo. Empoderados pelos cargos e pelas armas, tentam resolver seus conflitos com truculência e tiros. A autoridade sugere atirar “na cabecinha” dos bandidos, mas as balas descontroladas, disparadas do alto e de baixo, teimam em se desviar de seus rumos e atingem inocentes, crianças inclusive. Por isso a meninada do desenho corre quando vê o helicóptero.
O Brasil está descolorindo.