Em 2050, os humanos se tornarão imortais – previu recentemente o respeitado cientista e futurólogo britânico Ian Pearson, respaldado pelos avanços da medicina e da tecnologia no tratamento de doenças consideradas incuráveis. Cruzo essa ousada previsão com uma notícia da semana passada envolvendo outro cientista, o espanhol Juan Carlos Izpisúa, que anunciou a criação em laboratório de uma quimera – um ser híbrido de macaco com humano. A justificativa da assustadora experiência é das mais nobres: a transformação de animais em fábricas de órgãos para transplantes, mediante implantação das nossas células-tronco em embriões de bichos compatíveis com a espécie sapiens.
Juntando lé com cré e traduzindo para o leiguês, concluo que em breve poderemos ter um planeta habitado pela prole do doutor Frankenstein. Sem qualquer menosprezo à ciência, que já vem sendo suficientemente vilipendiada por governantes de poucas luzes, prefiro abrir mão dessa imortalidade (ou imonstralidade?) extraída do sacrifício de porcos, cabras, ratos e outros parentes de quatro patas que historicamente vêm sendo explorados por seus primos humanos.
O termo quimera vem da mitologia grega e define uma criatura com corpo de leão, cauda de serpente e duas cabeças, uma delas de dragão com capacidade de lançar fogo pelas narinas. Pois a realidade, como sói acontecer, parece estar prestes a superar a fantasia. Mas quimera também pode ser um substantivo feminino da Língua Portuguesa que significa utopia, um sonho impossível de se realizar.
Ao contrário do que dizia um certo goleador que se imaginava beija-flor, neste caso fico com a gramática e dispenso a solucionática.
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Ainda assim, temo pela repercussão dessas previsões junto aos legisladores que tratam da reforma da Previdência em nosso país. Se já inventaram o fator previdenciário, que nos ferra a cada suposto aumento da expectativa de vida, imaginem o que farão quando souberem que caminhamos para a imortalidade. Aí, sim, é que a sonhada aposentadoria digna se transformará numa verdadeira quimera.
Como ensina o mito de Sísifo, condenado eternamente a rolar sua pesada pedra montanha acima, a imortalidade pode custar muito caro. Não é difícil de prever que, garantida a eternidade, nossos representantes políticos logo pensarão em permanecer para sempre nos cargos que ocupam, seja por meio de sucessivas reeleições, seja pela introdução de alguma lei de vitalicidade sem aposentadoria compulsória. Aprovada a nova regra, presidentes da República poderão se manter no poder até o fim dos tempos, senadores e deputados ampliarão indefinidamente seus mandatos e não haverá mais necessidade de substituição de ministros e juízes nos tribunais.
Mas também não precisamos sofrer por antecipação, tudo isso só acontecerá a partir de 2050. Com exceção da aposentadoria cada vez mais ilusória, que é para breve.