Começava a conversa com uma amiga de longa data num canto reservado do café que escolhemos para o encontro de fim de tarde quando ela me fulminou com esta afirmação chocante:
Eu, que às vezes sou terrivelmente cético (para usar um advérbio do escasso vocabulário presidencial), retruquei de pronto:
– Como assim?
Então ela me relatou a teoria da conspiração tecnológica, que vai além das pistas que deixamos para o Google repassar aos seus implacáveis mercadores de tudo e que acabam retornando em forma de anúncio das mais insuspeitadas quinquilharias. Pelo que pude entender, funcionaria mais ou menos assim: mesmo com os celulares guardados nos bolsos e nas bolsas, e sem qualquer câmera de vigilância visível, tudo o que falamos em qualquer lugar ou com qualquer pessoa tende a voltar para nós por obra dos duendes do senhor Zuckerberg – e não pelos mistérios do acaso, como ocorre quando a gente menciona o nome de um conhecido distante e na primeira esquina cruza com o próprio ou com algum parente do dito-cujo.
– O nome antigo disso era coincidência! –debochei, mas já sem muita convicção.
Sei bem, pela leitura de Orwell, que o Grande Irmão nos observa desde 1984 (curiosamente, o ano de nascimento do referido criador do Face), mas ainda quero acreditar que somos capazes de manter um mínimo de privacidade, apesar da internet das coisas e dos hackers do Telegram. Creio, também, que somos suficientemente lúcidos para preservar alguns resquícios de humanidade que as máquinas ainda não nos tomaram. A amizade física, por exemplo. A amizade tátil, palpável, do beijo no rosto, do abraço demorado, do olho no olho, do passeio de braços unidos, do toque viril das mãos com os polegares enganchados.
Amigos de verdade são aqueles que nos tocam, no corpo e na alma. Em tempos de amizades virtuais entre conhecidos e desconhecidos, a proximidade física tem sido pouco valorizada. Já se tornou cena rotineira para todos nós a visão de grupos de pessoas, especialmente de jovens, reunidos em torno de si mesmos, juntos espacialmente, mas concentrados no próprio celular. Agora mesmo, na antevéspera de mais um Dia do Amigo (no próximo sábado, gente!), podemos nos preparar para receber dezenas ou centenas de mensagens carinhosas, com ilustrações e vídeos encantadores, mas sem o calor de um olhar próximo.
Por isso valorizo o contato pessoal. Entre o abraço da chegada e o da partida, conversei com minha amiga sobre a tecnologia da espionagem, mas também sobre nosso ofício, sobre amigos comuns, sobre filmes, livros, viagens, planos e sonhos. Dialogamos afavelmente, concordamos e discordamos, rimos juntos. Falamos também sobre nossa heroína Mafalda, a eterna menina de seis anos que odeia sopa, adora os Beatles e defende obstinadamente o humanismo e a paz mundial.
Não sei se os algoritmos estavam ouvindo.
Bem que eu gostaria de ter encontrado o Quino na primeira esquina ao sair do café, mas, infelizmente, não rolou.