Sou um defensor suspeito de agosto, que é o mês do meu nascimento, mas nunca terei argumentos suficientes para atenuar a barbárie inominável das duas bombas atômicas lançadas pelos norte-americanos sobre Hiroshima e Nagasaki, que provocaram milhares de mortes e mutilações, além da rendição japonesa na Segunda Guerra Mundial.
Rebato com facilidade o pretexto fonético de que agosto rima com desgosto, pois também pode rimar com bom gosto, com disposto e até com o rosto da pessoa amada. Não é por aí. Outra inconsistência utilizada por brasileiros para caluniar o mês criado por decreto pelo imperador César Augusto é a lembrança de três célebres incidentes políticos envolvendo presidentes da República, o suicídio de Getúlio Vargas, a morte de Juscelino Kubitschek e a renúncia de Jânio Quadros. Ora, Tancredo Neves morreu em abril, Fernando Collor foi deposto em setembro. São raros os meses sem alguma desgraça política na história do nosso país. Não cabe, portanto, culpar o calendário.
Mas as bombas, na minha visão, são indefensáveis. Na minha, pois já li e ouvi dezenas de vezes a justificativa de que elas evitaram o pior. Se a guerra continuasse, dizem os advogados do belicismo respaldados por estudos da inteligência americana, duraria mais cinco anos e provocaria a morte de um milhão de soldados dos Estados Unidos e mais seis milhões de japoneses. Só que isso é uma estimativa: a realidade são os mais de 200 mil mortos nos primeiros impactos e incontáveis outros nos dias e anos subsequentes, vitimados pelas queimaduras e outros efeitos terríveis da radiação que se estenderam por várias gerações.
Faz mais de 70 anos, mas ainda dói muito imaginar populações inteiras cremadas em vida pelo cogumelo de fogo. Foi em 1945, mas parece que foi nesta semana. A primeira bomba explodiu na última segunda-feira, dia 6. A outra caiu hoje, dia 9. Longe daqui, mas no coração de todos os seres humanos que têm compaixão.
Quem acha que não foi tão brutal assim, que tem muita ficção nesta história, precisa ler o livro Hiroshima, do inglês John Hersey, uma das maiores reportagens de todos os tempos e que dá face humana aos números do insano bombardeio. Se não tiver disposição para a leitura, basta ouvir o poema de Vinicius de Moraes, cantado por Ney Matogrosso, sobre as rosas cálidas nascidas em agosto.