Passamos por um jovem que carregava solitariamente a bandeira de um partido político e o motorista do táxi me chamou a atenção para o despercebido:
– As eleições deste ano estão uma beleza...
Voltei-me para ele, um tanto espantado, aguardando o complemento das reticências. Veio:
– A cidade está limpa. Nada de panfletos e cartazes espalhados por aí, não tem mais aqueles cavaletes que atrapalhavam a visão dos motoristas e voavam para o meio da rua, com madeiras e pregos. Bendita lei que cortou o dinheiro da gastança.
Um tanto surpreso com o desabafo espontâneo de cidadania prática, pensei, sem falar alto para não quebrar o encanto:
– Ué, e aquela história de sujeira democrática?
O homem continuou, entusiasmado com o próprio discurso:
– Agora falta acabar com essa mania de trancar rua por qualquer motivo. Meia dúzia de sindicalistas, em vez de protestar na frente do palácio do governador, interrompe ruas e atrapalha a vida de todo mundo. Deviam cortar, também, a contribuição sindical que sustenta essa gente.
Comecei a ficar em dúvida se o meu falante condutor já não estava sendo um tanto autoritário. Também não gosto muito de pagar imposto sindical, ou de ver descontado um dia de trabalho, anualmente, para o sindicato da minha categoria. Mas, pelo menos em teoria, é a entidade que me representa em demandas que sequer tenho tempo para acompanhar.
Torço, porém, para os meus representantes limitarem suas atuações aos espaços convencionais e aos parâmetros da ordem pública. Não quero que interrompam o tráfego na ponte do Guaíba ou o Túnel da Conceição em meu nome, pois sei que operários vão chegar atrasados ao trabalho, sei que dona Ermelinda vai perder o horário no posto de saúde e que muitos motoristas – do ônibus, do carro particular e do táxi que me leva pelas ruas livres da panfletagem – ficarão revoltados.
Democracia é, acima de tudo, um exercício de paciência e tolerância. Mas é também o dever de fazer escolhas. Quem se omite perde o direito de reclamar.