Tomara que sim, respondo eu mesmo à pergunta da manchete. Dorival Júnior está onde está por mérito, leia-se faixa no peito. Talvez haja quem o considere demasiado simples para um cargo como o de treinador do Brasil. Não é meu caso. Tenho a simplicidade de Dorival como uma de suas melhores qualidades. Foi simplificando que conseguiu fazer jogarem juntos Gabigol e Pedro no Flamengo. Com eles entre os onze, foi campeão da Libertadores e da Copa do Brasil.
Pela soberba infinita dos dirigentes do clube carioca, o comandante não teve o contrato renovado. Saiu quieto e magoado. Elegante. Mais tarde, contratado pelo São Paulo em meio à temporada, levou o gigante paulista ao único título que não possuía na sua história, o de campeão da Copa do Brasil. Não foi em qualquer lugar e contra qualquer adversário. Ganhou do Flamengo no Maracanã lotado e empatou no Morumbi. Ainda assim, a escolha da CBF recaiu noutro treinador.
Fernando Diniz, considerado um revolucionário, começou um trabalho de espera por Carlo Ancelotti, uma tresloucada aventura do seu Ednaldo que deu em nada. Diniz foi demitido por telefone, Dorival Júnior aceitou o convite de substituí-lo. Ao contrário do antecessor, que pôde estrear contra equipes sul-americanas e ainda assim atrapalhou-se todo por não entender a diferença entre trabalhar no clube e na Seleção, Dorival Júnior abre os trabalhos contra os gigantes europeus Inglaterra e Espanha. Em Wembley, começará diante do anfitrião sua trajetória até a Copa de 2026. Na terça-feira (26), enfrentará outra seleção de ponta. Merecerá, portanto, um olhar mais compreensivo caso seu time tenha dificuldades.
Sua lista de convocados tem muito mais acertos do que erros. Faz justiça a João Gomes, seu destaque em tempos de Flamengo, hoje protagonista num clube médio da Inglaterra. Traz de volta Lucas Paquetá, o meia que tanta falta fez ao time brasileiro nos jogos das Eliminatórias até agora. Equivocadamente, Dorival insiste em Danilo na lateral-direita e Richarlison de centroavante, mas respeite-se, ele está no cargo para fazer escolhas e, estrategicamente, pode estar pensando em não promover uma ruptura traumática com o que vinha sendo feito antes. Teria legitimidade para fazer isso, mas seu estilo não é de confronto e sim de conciliação.
Embora haja bastante pessimismo cercando a Seleção, uma vez que hoje ela estaria se classificando para a próxima Copa na sexta e última vaga sul-americana, não considero o Brasil inferior às principais seleções europeias. Na verdade, tirando os finalistas da Copa do Catar, França e Argentina, a amarelinha está parecida em qualidade e potencial com Inglaterra, Espanha, Portugal, Itália e Holanda. Está melhor do que a Alemanha, que saiu na fase de grupos das últimas duas Copas.
O que demora a entrar na cabeça do torcedor brasileiro é que precisamos aceitar a ideia de estabelecer um plano B para tentar o título mundial. Antes, no penta, sempre houve um, dois ou mais fora-de-série a embalar a Seleção. No momento, pela lesão de Neymar e sua imprevisibilidade quanto ao futuro em alta performance, temos que partir do princípio de que a taça poderá vir pelo coletivo e não pela genialidade. Tal como a Itália de 2006 ou a Alemanha de 2014, talvez não haja o gênio persona e sim a excelência coletiva. Na história das Copas, sobram campeões do mundo que não tinham o grande craque a comandar a trajetória. Citei dois times campeões recentes que não contavam com o craque acima de qualquer discussão, o que não os impediu de ter sucesso. Houve outros desde 1930.
O Brasil de Dorival Júnior não pode basear sua perspectiva de sucesso na próxima Copa em Neymar. O jovem Endrick ainda não foi provado o suficiente para que o tratemos por Fenômeno. Vinicius Júnior seria o mais próximo de protagonista que teríamos hoje. Abaixo dele, Rodrygo. Mesmo assim, o que os dois já fizeram no Real Madrid ainda não realizaram vestindo amarelo. O melhor que o treinador brasileiro poderia fazer no início do seu trabalho era apostar nestes dois atacantes do gigante espanhol. Significa montar um time que jogasse para que ambos fossem os condutores do ataque brasileiro.
André, João Gomes e Bruno Guimarães no tripé de meio-campo teriam força de marcação e boa capacidade técnica para sustentar liberdade a Lucas Paquetá, quarto homem do setor, mais Rodrygo e Vinicius Júnior desobrigados de funções defensivas mais desgastantes.
Coletivamente, o Brasil adotaria uma ideia mais humilde adequada ao que a Seleção pode entregar no momento. Logo adiante, se os resultados viessem e a confiança fosse catapultada às alturas, o treinador poderia abrir mão de um dos volantes e recuar Lucas Paquetá para abrir vaga a Endrick no comando do ataque. Se há alguém que pode comandar este navegar em águas bravias, chama-se Dorival Júnior, um gestor que consegue conexão rápida com os comandados e gosta de colocá-los a jogar nas posições e funções em que se sentem mais confortáveis. Não é hora do revolucionário nem do retranqueiro.
O processo que o Brasil inicia neste sábado (23), contra a Inglaterra, precisa de um condutor sereno e equilibrado. Dorival se cercou de pessoas competentes à volta. Rodrigo Caetano é acréscimo no departamento de futebol da CBF. Se o começo do seu trabalho traz duros desafios contra seleções de ponta da Europa, existe também a folga de calendário nas Eliminatórias para que o Brasil volte à esta competição em setembro num estágio bem superior ao que estava nas últimas tristes apresentações. O recomeço com Diniz fracassou. Ainda dói a eliminação do jeito que foi contra a Croácia em Doha. A transição pode ser turbulenta, mas quem está no comando me parece capaz de fazê-la com sucesso.