Se Luan começar contra o Cruzeiro, um outro tempo pode estar começando para ele e para o Grêmio. A questão aqui é menos a lógica das probabilidades e muito mais os sinais emitidos pelo ser humano que viu a necessidade de ter ajuda externa para iniciar uma nova jornada de vida pessoal. Não tenho autoridade para avançar sobre os problemas pessoais do jogador.
Com microfones desligados, sobram relatos de cenas variadas de descuido dele consigo mesmo. Imagino algum exagero em muitas das histórias. Prefiro pensar que o contador fantasiou e se passou na riqueza de detalhes. Afinal, alguns dos casos seriam chocantes.
Por mais que Luan tenha se atrapalhado, prefiro louvar a iniciativa que ele teve de se socorrer de quem estava disposto a ajudá-lo. Renato Portaluppi gosta deste tipo de desafio. Trabalhou para que seus superiores acatassem seu pedido. Alberto Guerra está sendo corajoso além de generoso. Era muito mais fácil negar a oportunidade a Luan. O fato é que foi o atleta quem induziu a maioria das pessoas a desconfiarem dele.
O meia-atacante teve todas as chances no Grêmio desde que foi eleito o Rei da América em 2017. Desperdiçou cada uma, virou reserva com Renato, saiu pela porta lateral para o Corinthians. Lá, fez um contrato longo e com salário nababesco que, aliás, Luan não obrigou ninguém a pagar.
Fui um dos que acreditou que a mudança de ares faria bem. A cereja afetiva do bolo era informação de que, na infância, Luan torcia pelo Corinthians. Estava pronta a história de redenção do craque que se rendeu aos prazeres da fama.
O roteiro não saiu conforme o original; Luan se tornou ainda mais relapso, decaiu física e tecnicamente, deixou de ser titular, depois parou de ser reserva para sequer estar no banco. Com meio salário pago pelo Corinthians, foi emprestado ao Santos, uma segunda mudança de ambiente que deveria, enfim, cooperar para seu retorno à alta performance. Mais uma vez, todas as expectativas foram frustradas.
Parênteses: a vida pessoal de quem quer que seja não é da conta de ninguém. Porém, quando o desempenho do profissional desanda, o descuidado abre o lado para ser vasculhado e invadido em sua privacidade, por mais que isso seja indevido.
É da natureza da profissão de futebolista, ator, atriz, jornalista ou quem quer que trabalhe com grande visibilidade despertar curiosidade em seu público consumidor. Luan sabia disso.
Ninguém sabe o que vai dentro da cabeça de um ser humano que cresceu num ambiente turbulento e, de repente, enriquece pela habilidade que tem com os pés, os mesmos pés que descolam do chão quando a fama e o dinheiro inundam seu contexto. Luan passou por coisas que só ele poderia descrever e acabou no fundo do poço.
Não estou exagerando. Ou você definiria de outra forma a cena em que ele foi tirado a tapas de dentro de um quarto de motel por bandidos travestidos de torcedores corintianos? É possível que ali Luan tenha concluído que não tinha mais para onde descer. Era preciso emergir, recobrar a dignidade e nunca mais passar por nada parecido.
Titularidade
É onde entram Renato e Guerra. O primeiro pediu e o segundo topou dar uma chance ao camisa 7, que deu todos os sinais necessários para que a ponte se estabelecesse. Abriu mão de dinheiro, treinou com um preparador físico contratado por ele, está trabalhando no Grêmio em silêncio e, segundo consta, com afinco.
Sua grande chance de começar outro ciclo na vida e no Grêmio pode estar surgindo neste domingo na Arena. Cogita-se a titularidade dele contra o Cruzeiro. Atuou bem no jogo-treino contra o Novo Hamburgo, correu 80 minutos e lembrou o melhor Luan que se viu em 2016 e 2017, os anos de luz daquele Tricolor campeão da Copa do Brasil e da Libertadores.
Não creio que possa voltar àquela performance, mas fui daqueles que acreditou desde antes do anúncio de seu retorno que poderia dar certo. Que ele, como ser humano, merecia uma chance a mais porque sinalizava estar disposto a mudar.
Talvez seja neste domingo. Começando a partida, seria impactante. Entrando e mudando o jogo a favor do Grêmio, também. Mas, acima de tudo, seria extraordinário ver uma história de redenção. Este colunista torce por Luan. Pelo profissional, sim, mas muito pelo ser humano disposto a refazer a própria história.