Na semana que passou, estive no mesmo evento que um dos grandes treinadores brasileiros. Daqueles que muito mais elogio do que critico, ainda que tenhamos divergências específicas de uma ou outra ideia e atitude lá e cá. Por alguma razão, surgiu na roda de conversa a vez em que Falcão não foi chamado por Cláudio Coutinho para a Copa da Argentina e Chicão ocupou a vaga. Indefensável sob qualquer ponto de vista, certo? Errado.
Este treinador defendeu, com bons e sólidos argumentos, o direito do técnico à época ter decidido o que decidiu. Meu interlocutor falava com os olhos do seu ofício. Argumentou sobre hierarquia, disciplina, função tática e outros quetais. Contrapus que o jogador que ocupava a vaga de um extraclasse não tinha dimensão técnica para vestir aquela camisa e o fato de Falcão não estar entre os convocados tornava a escolha muito mais grave.
Ao fim do bom embate, tenho certeza de não tê-lo convencido do quão absurdo foi o episódio. Tampouco ele conseguiu tornar defensável o que me pareceu indefensável. Mas ainda assim a conversa valeu para que um e outro se colocasse no lugar invertido para tentar entender as razões de cada um. Do treinador ao tomar certas decisões e do comentarista ao firmar juízo de valor sobre elas.
Quando nos despedimos, disse a ele que gostaria de ter esta troca mais vezes. Um olhar mais abrangente sobre a função do outro tornaria a relação menos tensa, mesmo que tivesse discordâncias pontualmente. Cada vez mais levo em consideração, quando vou analisar ao microfone as estratégias do técnico, a transitoriedade de sua condição. O fio da lâmina que corta para um lado a grande sacada e para o outro o grande equívoco.
Pense, por exemplo, no trabalho ruim de Vítor Pereira no Flamengo. Para chegar antes ao Corínthians e enriquecer na profissão, houve bons momentos em sua trajetória. Abel Braga, até ser campeão da Libertadores e do mundo, perdera títulos de Copa do Brasil em casa sob o escudo do clube grande para pequenos do interior paulista.
Recentemente, nada é tão palpável para entender o efêmero da vida de um técnico do que as cenas vividas por Joaquim Low. Ele comandava a Alemanha no 7x1 sobre o Brasil, foi campeão do mundo em 2014 e não passou da fase de grupos na Rússia em 2018. Por certo, o bom Joaquim não se transformou num incompetente em quatro anos.
Como em quase tudo na vida e no futebol, é melhor conjugar o estar do que o ser. O primeiro autoriza os movimentos cíclicos da vida ao abrir o lado para o novo, o acaso, para evoluções e involuções. O segundo aprisiona no definitivo e não deixa margem para o voltar atrás ou o andar para frente.
Retornando à pauta original da coluna, proponho este difícil exercício a mim, à torcida e, claro, aos treinadores. Quando bater aquela vontade de estabelecer julgamento definitivo sobre a atitude de A, B ou C, pensemos como se estivéssemos no lugar de A, B ou C.
Se ainda assim sua opinião não tiver qualquer alteração, que seja, mas teremos feito o esforço de tentar ver com o olhar do outro. E por fim, só para provocar o grande treinador com quem debati em plena janta, cujo nome não revelo porque era uma conversa bem longe dos microfones, deixo reiterado que Falcão fora e Chicão dentro é mesmo indefensável…