Se o Campeonato Gaúcho valesse para demitir o treinador vice-campeão, Abel Braga não teria sido campeão da Libertadores e do mundo em 2006. A premissa tem de ser lembrada no início da coluna porque os técnicos de Grêmio e Inter precisam, no mundo ideal, de uma faixa no peito para garantir salvo-conduto mais longo nos trabalhos que estão iniciando. O problema é que só um deles poderá atingir o objetivo, se é que nenhum clube do Interior vai atropelar e deixar os gigantes pelo caminho.
Na lógica de que os clubes de maior capacidade de investimento e melhores elencos cheguem à decisão do Gauchão, Tiago Nunes, que estreia neste sábado (24), contra o Ypiranga, e Miguel Ángel Ramírez, que nunca jogou campeonato estadual, vão se enfrentar em busca do primeiro título em azul ou vermelho. Quem der a volta olímpica terá relativa paz. O perdedor sairá, como disseram meus amigos Pedro Ernesto Denardin e Guerrinha no Sala de Redação, chamuscado pelo insucesso.
Não é porque a cultura brasileira de incinerar treinadores vem de longa data que merece continuar como cláusula pétrea do nosso futebol. Demitir só pelo resultado é estúpido. É burro. Como é insensato manter treinador cujo trabalho não evolui. O combo do mau resultado com trabalho estagnado ou em retrocesso é que deveria demitir treinador e não o simples ganhar ou perder. Jurgen Klopp somou vice-campeonato da Liga Europa, da Liga dos Campeões e da Premier League até ser campeão das duas últimas competições com o Liverpool. Tivesse o dirigente agido com o fígado e se deixado levar por parte da torcida enfurecida nas redes sociais ou em Anfield e o técnico alemão não teria conseguido dar títulos tão importantes ao clube inglês.
No pior momento de Luiz Felipe Scolari no Grêmio do início da gestão Fábio Koff, o presidente foi ao microfone e bancou o técnico até o fim do mandato. Quando Tite viu seu Corinthians eliminado na pré-Libertadores pelo Tolima, ouviu do seu dirigente Andrés Sanchez a garantia de que permaneceria. Depois, seria campeão brasileiro, da Libertadores e do Mundial. Cartola guiado por rede social, fosse eu torcedor, não ia querer no meu clube.
Uma vez ouvi de um dirigente: "Acima de tudo eu sou torcedor." Repliquei: "Não, amigo. Quando dirigente, você é, acima de tudo, estadista. Gestor. Precisa agir como tal. Quando retornar à arquibancada para comer pipoca ou bergamota, volte a se comportar feito torcedor. Como dirigente, não."
A renovação
Tiago Nunes vem para começar e não para recomeçar o Grêmio. Quem tentava recomeçar era Renato, processo interrompido. Com a autoridade de quem chega e não de quem continua, o novo técnico vai reformatar o time e pode haver preço a pagar. A estreia na Sul-Americana foi vitoriosa, melhor assim. As semifinais do Gauchão começam no próximo fim de semana. Se não funcionou de cara no Corinthians e acabou demitido, Tiago Nunes foi ágil no Athletico-PR para mexer no time que era de Fernando Diniz com jogadores da base somados aos experientes para ser campeão da Sul-Americana. Confiante, seria campeão da Copa do Brasil no ano seguinte. Tiago Nunes tem competência como quesito, o que não faz dele um inovador. Seu pragmatismo deu frutos e não inibiu suas equipes de jogarem bom futebol, inclusive propondo jogo ao invés de só reagir.
A ruptura
Miguel Ángel Ramírez terá de se ajudar para não ver uma tempestade se montando no horizonte. São muitas novidades que pretende propor no Inter, foi trazido para cumprir esta missão. Só não pode deixar este viés revolucionário custar resultados irreversíveis para o futuro do seu trabalho. Ganhar em casa do Deportivo Táchira e ser finalista do Gauchão, por exemplo, são necessidades inegociáveis. Algum nível de adaptação à realidade mais dura dos pagos ele terá que alcançar. O elenco de que dispõe tem melhores perspectivas do que era oferecido a Abel Braga. Logo estarão à disposição Saravia e Boschilia. Taison já está inscrito. Não lhe falta qualidade. Para proteger o objetivo que ele veio tentar cumprir no Inter (mudar de forma estrutural e radical o jeito de fazer futebol do clube), Ramírez precisa sentir o cheiro da terra e simplificar no melhor sentido da conjugação do verbo. Houvesse torcida no estádio e o jogo de terça-feira seria ainda mais tenso por conta da derrota como foi em La Paz. Ramírez não deve desperdiçar esta relativa paz que o Beira-Rio vazio vai lhe garantir neste momento da temporada.