Dentre tantas falas infelizes que vi de personagens do mundo do futebol, poucas superam o pronunciamento de Abel Braga depois da invasão dos bandalhos no treinamento do Cruzeiro semana passada. O treinador, na melhor das intenções de conciliar e evitar rupturas ou enfrentamentos futuros, justificou a invasão com a paixão de quem invadiu. Que erro crasso!
Que equívoco de interpretação do ato hostil e inaceitável protagonizado por pessoas que agiram feito bandidos. Quem invade, quem derruba portão e constrange profissionais trabalhando não são torcedores. Agem feito celerados e não podem ser justificados sob hipótese alguma. Para chegar neste nível de audácia, foram autorizados pelos dirigentes que deram poder a quem se organiza para supostamente torcer. O poder de quem torce está ligado diretamente à esfera em que deve ser exercido.
Na arquibancada, com ingresso pago ou como sócio, torcedores e torcedoras são poderosos gritando, vaiando, ficando em silêncio ou virando de costas. Na eleição do clube, fazem parte do colégio eleitoral para a escolha do novo presidente. Nas mesas de bar, têm as melhores soluções para os problemas do time que, por incrível que pareça, dirigentes e treinador não conseguem ver. Parou por aí. Em qualquer outro espaço, este poder não é legítimo. Muito menos numa invasão ao local de trabalho de quem está, em princípio, treinando para melhorar.
Em menos de 10 dias, bandalhos travestidos de torcedores do Fluminense, do Cruzeiro e do Botafogo se autorizaram derrubar muros e cercas para constranger, com presença física e beligerante, jogadores que trabalhavam. Se bem ou mal, trabalhavam. Não por coincidência, os três clubes onde houve estes episódios devem salários e estão atrasados na tabela de classificação numa ponte óbvia entre causa e consequência. Em comum, o fato de que todos os clubes invadidos acolheram os invasores e aceitaram conversar. É provável que temessem confronto físico com rumo imprevisível. E se algum daqueles bandalhos estivesse armado?
O problema é que o acolhimento a hordas de desocupados disfarçados de torcedores numa cena dessas estimula novas invasões. E à medida em que as fronteiras são alargadas, não se sabe qual será o próximo passo, a que se autorizarão estas pessoas frente a frente com quem é alvo de sua ira. Quando então haverá a reação dos agentes envolvidos no futebol profissional? Quando um jogador levar uma voadora? Quando um bandido desses decidir evitar que um jogador que ele ache ruim entre em campo quebrando sua perna com um pontapé certeiro? Ou será com a morte de alguém?
Passou da hora de criminalizar este tipo de comportamento
A CBF poderia estipular uma multa aos clubes que aceitam a invasão com desconto na renda do próximo jogo como anfitrião. Mas como assim, punir a vítima? Não se trata disso... Se você ameaçar com perda de dinheiro, os clubes vão reforçar a segurança nos seus centros de treinamento e não aceitarão, caso os bandidos avancem sobre a segurança, conversar com quem age desta forma. Não basta rechaçar no microfone. Não basta a imprensa, de modo geral, condenar invasões e invasores. Aliás, no que nos cabe do lado de cá do balcão, também passou da hora de todos revisarmos a maneira como noticiamos estes fatos. Devemos mesmo mostrar as imagens? Devemos deixar subir o som dos cantos que não raramente falam em o bicho pegar e o pau comer? Ou reduzimos a um simples registro, sem imagem ou som para não assanhar bandalhos egocêntricos e exibidos?
Não dá para ficar como está. Quatro clubes vão cair, provavelmente um deles será grande. Para o Fluminense ou o Botafogo, seria mais uma queda. Para o Cruzeiro, a primeira, sempre mais dolorida. Cair, subir, ser campeão ou vice, ganhar ou perder vaga de Libertadores é do jogo. O Brasileirão está eletrizante porque há disputa nas duas pontas e no meio por vaga de Libertadores. Os estádios, cheios como raramente antes. Então, é preciso proteger este cenário positivo de um campeonato que atrai gente na arquibancada e na frente da televisão. Não pode ser mais importante uma invasão de clube do que uma grande atuação dentro do campo.