Prevista para se concretizar nos próximos dias, a entrada de mais dois partidos do centrão no governo busca melhorar o conturbado vínculo com o Congresso, que gerou dor de cabeça a Lula e mostrou ao petista que a relação de forças agora é muito diferente daquela que ele enfrentou há 20 anos, quando se sentou pela primeira vez à cadeira de presidente.
O clima, de fato, irá melhorar. Mas Lula estará longe de alcançar a "tranquilidade" que almeja, especialmente junto à Câmara.
Ao eleitor petista, deve ser difícil entender a disposição de Lula em abrir mão de quadros técnicos ou de lideranças com ampla trajetória no PT para ceder espaço ao PP, do presidente da Câmara, Arthur Lira, e ao Republicanos, do governador de São Paulo, Tarcísio Freitas. Ao lado do PL, as siglas formaram o tripé de sustentação da campanha de Jair Bolsonaro.
Mas, ainda na campanha, Lula deixou claro que não teria vergonha em fazer política. E não é necessário ser presidente para entender que se tornou impossível governar o Brasil sem partilhar o poder.
Cauteloso, Lula até agora preferiu dar passos lentos na relação com Lira. O petista se preocupou em fincar autoridade e testar o compromisso do presidente da Câmara nos acordos que propôs, além de medir seu controle sobre o bloco de parlamentares.
O ritmo lento de votações do primeiro semestre, porém, não pode se repetir em um governo que se propõem a retomar o crescimento do país, reduzir a miséria e o desemprego. Até agora, sequer a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) foi aprovada.
Ao ampliar a estrutura da Esplanada para 37 ministérios, Lula buscou no início do governo uma base mínima, abrindo espaço a três siglas que não o apoiaram formalmente nas eleições: MDB, PSD e União Brasil. Ocorre que entregar ministérios e cargos em 2023 não tem o mesmo efeito de antes.
Um dos motivos é a autonomia que os parlamentares conquistaram com a expansão no valor de emendas individuais e impositivas. Independentemente de compor a base do governo, cada deputado tem direito a indicar R$ 32 milhões em gastos do Executivo por ano. No caso de senadores, a cifra salta para R$ 59 milhões.
Além das emendas obrigatórias, a implementação no governo Bolsonaro do chamado "orçamento secreto", que consiste na distribuição de emendas sem transparência a aliados, ampliou a expectativa das bancadas em receber mais recursos. Embora tenha criticado o expediente, Lula não descarta adotá-lo no futuro.
A musculatura do presidente da Câmara é outro ponto fundamental para entender a tensão de forças entre o Planalto e o Legislativo. Nos últimos anos, o poder sobre a distribuição de cargos na Casa, antes diluído entre vários parlamentares, foi concentrado no presidente. Com isso, Lira tem influência em todos os movimentos da Câmara, até mesmo na definição de presidência e relatoria de comissões e CPIs.
A polarização no campo ideológico também dificulta acordos homogêneos em bancadas partidárias com tantas diferenças regionais. Mesmo com orientação dos líderes, há correligionários que resistem em apoiar o governo com receio do impacto que isso terá na base eleitoral e no barulho das redes sociais.
Toda esta mudança de cenário, somada à dificuldade que lideranças do governo no Congresso têm demonstrado na articulação política desde o início do governo, tornam incerto o sucesso do Executivo na aprovação das prioridades de Lula. Pautas que contam com o apoio e o protagonismo de parlamentares, como o arcabouço fiscal e a reforma tributária, caminharão com mais facilidade. Mas nada indica até agora que temas sensíveis envolvendo, por exemplo, interesses do agronegócio ou restrição ao porte de armas, serão aprovados.
Com a volta do recesso do Legislativo nesta terça-feira (1º), Lula pretende definir os postos que o PP e o Republicanos irão ocupar. As conversas estão mais avançadas para que o partido de Lira assuma a presidência da Caixa — cargo essencial na vitrine de políticas sociais e econômicas. A ex-deputada Margarete Coelho (PP-PI) poderá assumir a cadeira de Rita Serrano, servidora de carreira do banco.
O escolhido do PP para ocupar uma cadeira na Esplanada é o deputado André Fufuca (MA). A pasta preferida é o Desenvolvimento Social — responsável pelo Bolsa Família. Mas o fato de envolver uma área estratégica para o governo e sob comando do ex-governador do Piauí Wellington Dias — uma das principais referências do partido — ainda torna a negociação imprevisível.
O Republicanos indicou ao governo o deputado Silvio Costa Filho (PE). Seu destino também está em discussão. O mais provável é que ele assuma o Ministério do Esporte — hoje conduzido pela ex-jogador de vôlei Ana Moser.
Enquanto as conversas ocorrem, no Congresso só há uma certeza: a minirreforma de agosto não será a última. Até o final do ano, Lula deverá fazer outros ajustes na equipe. E no centrão há vários reservas dispostos a entrar em campo.