Era para ser uma boa notícia: a agência de classificação de risco Moody's melhorou a nota de crédito do Brasil. A decisão chegou a animar o mercado financeiro, mas virou polêmica porque economistas avaliam que as contas públicas do Brasil não merecem boa avaliação.
Foi preciso até que a Moody's se explicasse. Mas por que, afinal, a polêmica foi tão grande, se é consenso que ainda falta um longo caminho para que o Brasil volte a receber o selo de bom pagador?
O principal motivo é o tamanho da dívida pública brasileira, considerado elevado para emergentes como o Brasil. Esse indicador sempre é avaliado em proporção ao PIB, que é a capacidade de gerar riqueza. O nacional é superior ao de China e Índia, por exemplo (veja gráfico acima).
Claro, existem pesos de dívida sobre o PIB muito maiores, com os de Japão e Estados Unidos, mas são países mais desenvolvidos e com moedas fortes. Mesmo assim, são fardos que já provocam preocupações, como a recente turbulência da bolsa japonesa e os constantes riscos de shutdowns americanos - um dos quais agora, às vésperas da eleição.
Para estabilizar esse endividamento - ou seja, apenas impedir que aumente, não para reduzi-lo -, há certo consenso de que o Brasil precisa gerar superávit primário (sem contar as despesas com a dívida) anual de 1% do PIB.
O que a equipe econômica tenta, com muito esforço, é reduzir o déficit primário a, no máximo, 0,25% do PIB. Isso significa um rombo de R$ 28,7 bilhões nos 12 meses de 2024, mas só até agosto o resultado negativo é de R$ 99,9 bilhões.
Boa parte desse problema é comum a todos os governos, que foram obrigados a gastar para enfrentar a pandemia. Agora, é preciso voltar a controlar as despesas, antes que ocorra, também no Brasil, uma espécie de shutdown, o que está previsto para 2027 se não houver mudanças. O cenário é de que as despesas obrigatórias cresçam tanto que não sobre nada das receitas para investir.
A íntegra da nota do upgrade
A Moody's Ratings (Moody's) elevou hoje (terça, 1º) os ratings de emissor de longo prazo e títulos sêniores sem garantia do governo do Brasil para Ba1 de Ba2, o rating de prateleira sênior sem garantia para (P)Ba1 de (P)Ba2; e manteve a perspectiva positiva. A atualização reflete melhorias materiais no crédito que esperamos que continuem, incluindo um desempenho de crescimento mais robusto do que o avaliado anteriormente e um histórico crescente de reformas econômicas e fiscais que conferem resiliência ao perfil de crédito, embora a credibilidade da estrutura fiscal do Brasil ainda seja moderada, tal como refletido em custo relativamente elevado da dívida. Por sua vez, um crescimento mais robusto e uma política orçamentária que siga consistentemente o quadro orçamentário permitirão que o peso da dívida se estabilize no médio prazo, embora em níveis relativamente elevados. A perspectiva positiva reflete a possibilidade de que o crescimento constante e o cumprimento do arcabouço fiscal ajudem a aumentar a credibilidade institucional e a reduzir os custos dos empréstimos de forma mais acentuada do que atualmente assumimos. Por sua vez, um custo mais baixo da dívida teria impacto positivo na trajetória da dívida pública do Brasil, especialmente se combinado com crescimento mais robusto do que esperamos atualmente, permitindo redução no peso da dívida no médio prazo. Os tetos-país do Brasil foram alterados. O teto do país em moeda local está posicionado quatro níveis acima da classificação soberana em A3 de Baa1, refletindo a estabilidade externa e o risco político moderado, em comparação com a presença relativamente grande do governo na economia. O limite máximo do país em moeda estrangeira é elevado para Baa1 de Baa2, um degrau abaixo do limite máximo do país em moeda local reflete grandes reservas cambiais, o que reduz o risco de restrições à transferência e conversibilidade em tempos de tensão, e conta de capital aberta, equilibrada contra a volatilidade da taxa de câmbio e algumas restrições aos fluxos de capitais de curto prazo.
Qual é o papel das agências de rating?
Como a coluna já comparou, o papel das agências de rating é semelhante ao da Serasa no Brasil. Todo brasileiro sabe que, se estiver "na Serasa", não tem acesso a crédito regular e, se precisar desesperadamente de um empréstimo, terá de recorrer a fontes menos respeitáveis, digamos assim.
O que avaliam?
Fitch, Moody's e S&P respondem por cerca de 80% do mercado global de avaliações de risco. Avaliam, basicamente, o risco de calote: se a possibilidade de inadimplência for grande, o crédito vai custar mais caro. Se é baixo, tomar ou rolar os empréstimos custará menos.
O que as notas significam?
A classificação das agências parece boletim de escola, mas como tem mais escalas parece uma sopa de letrinhas e sinais. Vai do exclusivo AAA e vai até o D de "default", calote no idioma do mercado financeiro. Para facilitar o entendimento, as mais de duas dezenas de combinações são divididas em três grupos:
- O primeiro é chamado "grau de investimento", que o Brasil ambiciona recuperar, apelidado de "clube de bons pagadores" para facilitar a compreensão, que tem dois subgrupos, um de "alta qualidade", outro de "média".
- O segundo tem o nome educado de "grau especulativo", mas ganha apelidos depreciativos: "junk bonds", ou "títulos podres". É onde o Brasil está agora.
- O terceiro é tão ruim que nem apelido formal existe, mas a coluna já classificou de "inferno", onde nenhum país quer entrar e todos querem sair. A Argentina está aqui.