O Brasil tem, como vários outros países, um Instituição Fiscal Independente (IFI). Segundo seu atual diretor-executivo, Marcus Pestana, esse tipo de entidade tem papel muito valorizado por Banco Mundial e Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Não opina, não faz recomendações nem juízo de valor, mas é uma espécie de "xerife das contas públicas". Sua atividade inclui um relatório mensal sobre os sinais vitais das finanças federais. No mais recente, apontou o risco de um "gravíssimo estrangulamento orçamentário". Não agora. Mas já em 2027, se nada for feito para controlar o endividamento da União.
Como a IFI vê as contas públicas nesse momento de muitos buracos no orçamento?
A IFI não opina nem emite juízo de valor. Houve um encontro internacional de entidades desse tipo em que foi valorizado o papel como xerife das finanças públicas. O que cabe é acompanhar, fiscalizar e emitir alertas.
E o que tem apontado esse acompanhamento?
No último RAF (Relatório de Acompanhamento Fiscal), fizemos quatro alertas. O primeiro, de que dificilmente cumpriremos a meta neste ano, devemos ter um déficit de cerca de 0,7% do PIB (pela meta fiscal, o máximo admissível é a margem de tolerância de 0,25% do PIB). Subtraindo os gastos com o Rio Grande do Sul, que ficam fora da meta, ainda restaria cerca de 0,5% do PIB.
Mesmo com o aumento de receita que marcou o início do ano?
Sim, nossa projeção havia diminuído pelo êxito no aumento da arrecadação, mas o problema é que, se as receitas cresceram muito em relação a 2023, as despesas cresceram mais e anularam o esforço de ajuste pela receita.
A projeção é de que, para estabilizar a relação dívida/PIB, é necessário um superávit de 1,4% do PIB.
Quais os demais alertas?
O segundo é de que, nos próximos anos, os déficits primários serão recorrentes e ampliados, agravados, ao menos até 2027. Não basta zerar o déficit. A projeção é de que, para estabilizar a relação dívida/PIB, é necessário um superávit de 1,4% do PIB.
O que isso significa?
Aí vem o terceiro alerta. Sem superávits e com déficits recorrentes, a dívida nos próximos anos vai subir da faixa atual, dos 76% do PIB para perto de 90% em 2029.
Qual seria consequência?
Pode haver um gravíssimo estrangulamento orçamentário já em 2027. O crescimento das despesas obrigatórias vai fazer com que as discricionárias (que podem ser escolhidas, como investimentos) atinjam nível zero. Não vai ter dinheiro para investimento, para o PAC, para nada. Nem para despesas de manutenção, asfaltamento de estradas.
Não vai ter dinheiro para investimento, para o PAC, para nada. Nem para despesas de manutenção, asfaltamento de estradas.
Como chegamos a esse ponto?
Um dos motivos é a volta da vinculação das despesas de saúde e educação, outro é o reajuste real do salário mínimo.
O anunciado corte de despesas anunciado pode ajudar?
O que foi anunciado não foi exatamente um corte, falou-se em "pente-fino" em benefícios previdenciários, que deveria ser tarefa de rotina de qualquer governo. O aumento do número de concessão do BPC (Benefício de Prestação Continuada) é impressionante, por exemplo. Mesmo assim, chegar a R$ 25,9 bilhões só com pente-fin parece muito otimista. Os números não apontam nessa direção sem mudança de regra.
O que faria diferença?
Mudar a vinculação de saúde e educação, que tem lógica procíclica (acentua a tendência de piora), e revisar a aposentadoria rural. O governo tem menos de seis meses para corrigir a rota. Não é uma crise aguda, como as de Venezuela ou Argentina. Mas há uma deterioração das contas que pode ter consequências graves, como o estrangulamento orçamentário em 2027, se não houver mudança estrutural.
O cardápio de soluções é esse: desvinculações, mudança na regra da aposentaria rural. Não tem muito como reinventar a roda.
A hipótese de manter benefícios previdenciários com correção pela inflação, mas sem o aumento real do salário mínimo ajudaria?
Claro que daria resultado, mas o presidente já sinalizou que esse não será o caminho. Faz sentido que o aumento real, que seria uma forma de compartilhar com o trabalhador o aumento da produtividade da economia, fique só com os da ativa.
Haveria alguma outra medida possível?
O cardápio de soluções é esse: desvinculações, mudança na regra da aposentaria rural. Não tem muito como reinventar a roda. O grande problema é que voltamos ao modelo em que as despesas crescem junto com a receita, ou mais.