Natalie Ardrizzo assumiu a presidência da Termolar no início de 2021, aos 32 anos. Formada em Administração pela ESPM, fez Gestão Financeira na Fundação Getulio Vargas e MBA em Administração pela Estação Business School. No mês passado, deixou sua marca na história da empresa de 66 anos, uma rara indústria no coração de Porto Alegre: o recorde máximo de volume de produção.
Como a enchente afetou a Termolar?
Não paramos a produção, mas estava tudo pronto para fazer isso caso houvesse necessidade, porque houve projeções de que a inundação nos alcançaria. Tivemos barcos passando na esquina. No dia 3 de maio, uma sexta-feira que não vou esquecer, estávamos a postos para desligar máquinas, porque não tinha como içar. Olhávamos hora a hora, para não colocar nem pessoas nem o equipamento em risco. Mas como estamos em uma área mais elevada, a água não chegou. Mas a produção caiu para pouco mais de dois terços, tivemos problemas de estoque, de falta de matéria-prima, muitos percalços.
Qual foi a reação?
Primeiro, cuidamos dos funcionários, antecipamos benefícios, distribuição de lucros, compramos cesta básica, água potável, fizemos bazar com roupas que arrecadamos, abonamos o ponto para quem não conseguiu vir trabalhar. Para a cidade, emprestamos empilhadeiras, apoiamos abrigos. Teve custo alto, mas era uma situação atípica.
E como evoluiu a produção?
Em julho, tivemos recorde, o melhor resultado da história, com 1.104.122 unidades produzidas, ou 92 mil dúzias de garrafas, copos, bules, cuias, ampolas e caixas térmicas.
Como foi possível?
Investimos no parque fabril em máquinas novas, em produtos novos, em produtividade. O friozinho desse inverno mais forte ajuda na venda de garrafas térmicas. Mas também temos um trabalho forte de liderança interna para melhorar processos e indicadores. Temos um gerente industrial com larga experiência, que veio da Gerdau. Temos um mix de pessoas muito experientes, com 20 ou 30 anos de empresa, com desenvolvimento de novos líderes.
Como conseguiram manter toda a produção em Porto Alegre, que passou por intensa desindustrialização?
Tivemos centros de distribuição fora, fechamos, reabrimos, para aproveitar questões tributárias e logísticas. Mas não recebemos proposta com supervantagem para ir para outro lugar. Estudamos diversos movimentos. O terreno é próprio, então teria de fazer uma jogada que valesse muito a pena. Até hoje, não sentimos que era momento de mudar, seja para as cercanias ou para abrir fábrica em uma outra localidade.
Há mais vantagens ou mais problemas?
Do ponto de vista interno, estar em uma ponta da cidade é ruim. Mas estar em Porto Alegre, no sul do Brasil, é bom porque o nosso mercado, apesar de nacional, é mais concentrado aqui. Estar em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, sempre foi muito vantajoso. Até pela proximidade com Argentina e Uruguai, que são mercados importantíssimos também.
Uruguaios estão sempre acoplados a suas "termos"...
Exato, cresci vendo isso, meu pai era uruguaio. Os dois fundadores da Termolar eram uruguaios. Foram duas famílias que vieram pro Brasil. Cresci vendo meu pai sempre acompanhado de uma térmica para o mate, com a cuia diferente. E cresci testando produtos da Termolar. Quando meu pai ele queria desenvolver algo novo, fazia fazia protótipos, levava para casa e dizia 'testem e me digam todas as percepções de vocês'. Esse contato muito forte com a marca, com os produtos, e com a vivência do chimarrão sempre foi muito forte pra nós.
Voltando à localização, a área atual tem espaço para ampliação, já que há recorde de produção?
São seis hectares, é uma área bem substancial. Mas não temos só produção, precisamos de área de estocagem e expedição. Então, já está começando a ficar apertada. Estamos estudando CDs, acreditamos que são um caminho interessante. Tira pressão da estocagem. Mas também estudamos outras oportunidades. Vão aparecendo necessidades novas, estudamos como sanar da melhor forma possível.
Como vocês têm encarado uma concorrência que tem crescido, a dos produtos Stanley?
Como sempre encaramos a concorrência. Sempre há novos entrantes, é um mercado interessante. Todo mundo quer ter uma garrafa térmica para água, chimarrão, chá, café. Não é novo, sempre houve essa questão. O que a gente faz é sempre olhar para dentro, fortalecer nossa marca e tentar criar a melhor experiência possível para o consumidor, seja o final, que vai usar, seja o intermediário, que vai revender. Criar a melhor experiência para esses dois mundos é nosso grande desafio e, com isso, acaba tirando um pouco o foco da concorrência.
Desta vez, não há uma tendência diferente?
Desde a época do meu pai, a empresa sempre foi muito visada pela concorrência por fazer coisas diferentes, pensar fora da caixa, trazer novidades para o mercado. Agora, estamos trazendo cores novas. A Termolar é uma empresa muito tradicional, mas também traz inovação, cria certa disrupção. Fizemos nossa versão de cuia de inox. Todo mundo não vai gostar? Não, mas muitos vão. E está tudo certo, também temos produtos para quem quer o básico. Tenho um olhar muito forte para tendências, moda, design.
Veio daí a ideia de fazer uma collab para um copo térmico?
Sim, todo mundo pode ter copo térmico, mas quisemos, com a William & Sons, transformar em experiência única desde a caixinha, a forma de abrir, o paninho para colocar, a bula com instruções, a cor. Usamos uma cor que, depois, teve uma muito parecida indicada como a do ano pela Pantone, é um rosa coral. O copo permite tomar em qualquer lugar, tem design anatômico, é super fácil de limpar. Pegamos as dores das pessoas para criar o melhor copo do mundo. Se enxergar só o que é tendência, limita o olhar (faz um gesto com as mãos reduzindo o foco), eu gosto de manter aberto (afasta as mãos).
Ser uma mulher CEO parecia um assunto normalizado, mas seguem aparecendo relatos de que ainda há um caminho a percorrer. Como tem sido a experiência?
Tenho muito orgulho de ser mulher e fazer tudo que faço, precisamente porque consigo fazer um trabalho incrível independente de questão de gênero. Recebo feedbacks de que já dei outra cara para a empresa, mas isso foi feito em equipe. Estou à frente desse movimento e tenho muito orgulho da trajetória, só chegamos aqui por causa dela. Ser mulher nesse ambiente que talvez ainda seja mais masculino é fonte de muito orgulho.
Já sentiu algum preconceito?
Estou na Termolar há nove anos e, no início, houve momentos mais tumultuados. Nos últimos anos, o resultado fala muito mais alto. Não cheguei a sofrer preconceito, mas fiquei em lugar como se fosse um homem. Visitei países asiáticos e me sentei para jantar enquanto as mulheres cozinhavam, os filhos serviam e eu e mais seis homens, bem mais velhos, estávamos à mesa. Foi estranho estar em um lugar em que essa questão é ainda mais complicada do que aqui. Recebi convite para ir à Copa do Catar, mas não fui porque pensei 'não vou me colocar em um ambiente que vai ser extremamente difícil para mim ser quem eu sou. Então, é importante também a gente trazer esse elementos.
O fato de você ter assumido já marca uma evolução, porque no passado empresas familiares ficavam "sem sucessão" por só ter filhas mulheres, não?
Li há pouco o livro sobre a Casa Gucci, que relata o fato de a filha não ter herdado um centavo por ser mulher. Tive um trunfo porque meu pai sempre dizia que eu tinha que ser o que quisesse, fazer o que quisesse, que não tinha de depender de ninguém, nem de homem nenhum. Cresci nesse ambiente, sempre fui muito aventureira.