O último dia útil de junho começou sob o bombardeio verbal que marcou o mês: em entrevista à rádio Tempo, de Belo Horizonte, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou ao ataque, depois de uma pausa na véspera. E afirmou:
— A taxa de juro de 10,5% é irreal para uma inflação de 4%. Não sou do Conselho Monetário Nacional, eu não sou diretor do Banco Central. Isso vai poder melhorar quando eu puder indicar o presidente, que vai para o Senado, e a gente vai construir uma nova filosofia.
Como esse é um temor do mercado, o dólar voltou a abrir em alta, que começou discreta, mas se acentuou e, neste final de manhã já chega a 1,18%, para R$ 5,572.
Por sua vez, em entrevista publicada na edição desta sexta-feira (28) do jornal Valor Econômico, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, contra-ataca:
— Quando você tem uma pessoa da importância do presidente questionando aspectos técnicos da decisão do BC, gera um prêmio de risco na frente. Então, de certa forma, (...) impacta o canal de transmissão de política monetária.
O que Lula sugere é que, a partir de 1º de janeiro de 2025, quando terá o seu indicado na presidência do BC, a instituição vai atuar de forma diferente.
Campos Neto, por sua vez, coloca parte da culpa do juro alto criticado pelo presidente na conta do próprio Lula. Não está errado, especialmente nos últimos dias. Mas não é só esse conturbado cenário doméstico que está pressionando o câmbio - que tem reagido muito pior do que a bolsa.
Nesta semana, um ingrediente que fez preço no câmbio foi a declaração inusitada de uma diretora do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), Michelle Bowman: em conversa com jornalistas em Londres, na terça-feira (25), disse não acreditar em redução do juro nos Estados Unidos nos "anos futuros". Injetou mais peso verbal em uma variável que vem pressionando moedas de países emergentes no mundo todo, a demora no início do corte de juro nos EUA.
Na quinta-feira (27), ao dizer que o BC não tem intenção de intenção de intervir no mercado de câmbio, que só espelha o "prêmio de risco" de ativos nacionais, Campos Neto havia reforçado o componente externo dessa pressão:
— O aumento global de dívida vai extrair liquidez (provocar saída de dólares) de vários mercados. O que tem acontecido também é um ajuste de posições no mundo emergente.
Só neste mês, o dólar ultrapassou três barreiras psicológicas: as de R$ 5,30, R$ 5,40 e R$ 5,50. E a de R$ 5,20 havia sido quebrada só em 29 de maio, porque até o final do mês passado estava no nível de R$ 5.10. No acumulado do mês até quinta-feira (27), fechamento mais recente, acumula alta de 5,2%.
Os fatores de pressão no mercado
Falta de perspectiva do início de cortes de juro nos EUA: a taxa alta lá e mais baixa aqui diminui a atratividade de investimentos no mercado financeiro no Brasil, e investidores resgatam aplicações aqui para migrar para mercados mais lucrativos.
Ajuste fiscal: a decisão do governo Lula de reduzir o déficit primário (despesas maiores que receitas antes do pagamento da dívida) só com aumento de arrecadação, sem corte de gastos, é considerada frágil e difícil de manter ao longo dos quatro anos de mandato. A recente ajuda ao Rio Grande do Sul, que eleva os gastos, contribui com essa percepção. Sinalizações de cortes de gastos nos últimos dias chegaram a proporcionar algum alívio, mas não duradouro.
Conflitos e eleições pelo mundo: conflitos entre Rússia e Ucrânia e entre Israel e Hammas elevam incertezas, assim como as eleições para o Parlamento Europeu, que geraram antecipação de pleitos em vários países, inclusive na França, "sócio-fundador" da União Europeia, com risco potencial para a existência do bloco.