A coluna já havia abordado o assunto de passagem, ao comentar as desconfianças mútuas entre os governos federal e estadual em torno na dívida do Rio Grande do Sul com a União. Mas se vê obrigada a voltar ao assunto porque, para muitos gaúchos e brasileiros, seria possível resolver esse tema complexo com uma canetada.
A onda mais recente de pedidos de anistia total da dívida gaúcha pegou carona na aprovação, na Câmara, do acordo que permitirá ao Estado pagar de pagar as parcelas por três anos, que somam cerca de R$ 11 bilhões, com perdão de juro e encargos, que alcançam ao redor de R$ 12 bilhões.
Na discussão do projeto de Lei Complementar 85/24, apareceram propostas de emendas para o perdão total da dívida. Então, a primeira questão: o Congresso não pode criar despesas ou tirar receitas da União sem apresentar compensação.
A dívida do RS hoje ronda os R$ 100 bilhões, valor próximo ao estimado preliminarmente para a reconstrução da infraestrutura do Estado. Dói em todos nós o fato de ter acumulado tanto e de ainda ter de ser paga depois de os valores nominais terem excedido em muito o que foi recebido.
Mas, em primeiro lugar, mesmo que houvesse anistia, não haveria esse dinheiro disponível para reconstruir o Estado. Em segundo, as regras são essas, sob pena de desequilíbrio das finanças públicas.
É preciso lembrar que a dívida do RS não foi feita pelo atual governador, nem por seus antecessores mais imediatos. Começou ainda na década de 1950, como a colega Juliana Bublitz já explicou em detalhes (confira um especial bem didático clicando aqui).
Sem encontrar uma fonte de recursos que substitua os R$ 100 bilhões que o RS tem a pagar, uma suposta anistia ao Estado representaria um rombo nas contas públicas federais equivalente a 1% do PIB. Neste ano, o governo federal luta, em meio a descrédito geral, para encerrar o exercício sem rombo ou, no limite, R$ 25 bilhões (o novo marco fiscal tem uma margem de tolerância de 0,25% do PIB).
Para o próximo, desistiu de ter "sobrinha" (superávit) ao redor de R$ 50 bilhões - metade do valor da dívida gaúcha. Em reação, subiram o dólar e os juros futuros - que fazem o preço dos empréstimos para empresas -, caiu a bolsa e a perspectiva de redução do juro básico. A perspectiva econômica piorou para todos os brasileiros.
No pacote de ajuda de R$ 50,9 bilhões destinado ao RS, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ressaltou que "apenas" R$ 7,695 bilhões terão impacto fiscal. O que quer dizer isso? Que só essa parte é dinheiro novo, não previsto no orçamento, que terá de ser buscado no mercado por meio de emissão de títulos da dívida nacional.
Se o endividamento de R$ 100 bilhões do RS impressiona, em uma casa de cifrões difícil até de imaginar, o da União é pior: passa de R$ 6 trilhões. Só o custo de rolar esses compromissos sufoca a possibilidade do país de investir. Se deixar de pagar, piora porque quem compra os títulos de dívida ou não vai querer, ou vai cobrar mais caro. E não há para quem pedir anistia.