A disposição do governo Lula de assumir o risco de uma nova crise com o Congresso com a judicialização da desoneração da folha de pagamento de 17 setores e de pequenos municípios vem da preocupação com o déficit em geral, mas com um mais específico: o da Previdência.
Apesar da extensa reforma aprovada em 2019, especialistas têm advertido para a necessidade de outra grande reformulação dos benefícios previdenciários, porque o efeito líquido das mudanças teria sido apenas desacelerar o crescimento do rombo.
Projeções do Ministério do Planejamento no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), enviado ao Congresso há duas semanas situam receita ao redor de R$ 575 bilhões para despesas perto de R$ 792 bilhões, com rombo de cerca de R$ 219 bilhões em 2025.
É muito ou é pouco? É muito: caso pudesse ser eliminado, garantiria superávit primário quatro vezes maior do que o previsto - e abandonado - para o próximo ano, ao redor de R$ 50 bilhões.
Nas estimativas do governo para os próximos anos, o desequilíbrio entre receitas e despesas se acentua a partir de 2028 até que, em 2063, o rombo passa a superar toda a arrecadação da Previdência em proporção do PIB. A receita ficaria por volta de 5,73% do PIB enquanto o déficit escalaria para 6,33%.
Mas como é possível que a reforma da Previdência não tenha representado maior alívio? Os analistas apontam duas causas principais. Uma é a chamada "uberização" do mercado de trabalho: se de um lado ajudam a baixar a estatística de desemprego, por outro as vagas informais não dão receita.
Entre 2016 e 2023, levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo com base em dados do IBGE apontou aumento de 26,7% no número de trabalhadores sem carteira assinada, que não recolhem contribuição previdenciária.
Sim, nesse caso não têm direito à aposentadoria formal, mas muitos podem recorrer ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), que garante pagamento de um salário mínimo a idosos de 65 anos.
E aí, entra o segundo grande fator de pressão: a proporção da faixa etária acima de 65 anos mais do que dobrou entre 1991 e 2022, conforme o IBGE. Foi de 4,8% para 10,9%. Em número, mais do que triplicou, de 7,1 milhões para 22,2 milhões no mesmo intervalo.
Ao projetar a aceleração dessas duas tendências de envelhecimento, os cálculos levam a um rombo de R$ 25,5 trilhões em 2100. Sim, tri. Mais de duas vezes o valor de todo o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no ano passado.
O que é a desoneração da folha de pagamento
Permite que empresas de 17 setores troquem o pagamento da contribuição previdenciária, de 20% sobre os salários dos empregados, por uma alíquota menor sobre a receita bruta, que varia de 1% a 4,5%. Os setores são confecção e vestuário; calçados; construção civil; call center; comunicação; empresas de construção e obras de infraestrutura; couro; fabricação de veículos e carroçarias; máquinas e equipamentos; proteína animal; têxtil; tecnologia da informação (TI); tecnologia de comunicação (TIC); projeto de circuitos integrados; transporte metroferroviário de passageiros; transporte rodoviário coletivo; e transporte rodoviário de cargas.