Está certo que o acordo entre a União Europeia e o Mercosul já estava comprometido, mas depois da passagem do presidente da França, Emmanuel Macron, pelo Brasil, voltou de vez ao lugar onde passou as últimas duas décadas, o limbo das tratativas não concluídas.
Nem o clima de amizade-quase-amor que gerou memes sobre a boa relação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi capaz de amenizar o diagnóstico duro de Macron sobre a tentativa de criar uma zona de livre-comércio entre os dois blocos.
Ao saber que as fotos feitas na Amazônia haviam provocado comparações com um ensaio romântico, Macron reiterou:
— Algumas pessoas compararam as imagens da minha visita ao Brasil com as de um casamento, e eu digo a elas: foi um casamento! A França ama o Brasil e o Brasil ama a França.
Amor, amor, negócios à parte.
Ao reiterar, na casa do rejeitado, seu veto ao acordo, Macron usou um argumento verdadeiro: as bases da negociação estão superadas.
— Este acordo não pode ser defendido porque foi negociado há 20 anos. A vida diplomática, dos negócios, não pode se basear em uma regra antiga. O acordo precisa ser refeito — afirmou Macron na Fiesp, em São Paulo, ante um público que não se decepcionou duplamente com a frase.
— Deixemos de lado as lições de 20 anos atrás e vamos criar um novo acordo, um acordo comercial responsável, que tenha o desenvolvimento, a biodiversidade e o clima no centro, com cláusulas que tenham reciprocidade e mais exigências de todas as partes — disse o presidente francês.
Era amor ou era cilada? Ambos. Macron faz uma competente diplomacia presidencial, mas todos seus antecessores se posicionaram contra o acordo. Muito antes, como tentou justificar o presidente de turno, que empresas de cimento da França reduzissem seus níveis de poluição e tivessem de competir com fábricas latinas que não adotaram essas ações e poderiam vender produtos mais baratos na Europa.
O problema, como se sabe quem acompanha os ensaios para fechar o acordo desde a primeira tentativa, tem raízes profundas cravadas no campo. O novo veto integra o plano Macron para abafar a onda de protestos de produtores rurais que sacudiu a Europa no início deste ano e tinha no veto ao acordo UE-Mercosul uma das condições de pacificação.
Macron usou uma verdade conveniente: o modelo envelheceu. Está baseado em premissas anteriores a profundas mudanças na ordem econômica mundial - da crise de 2008 à descarbonização, passando pela neoglobalização determinada pela dependência da Ásia exposta pela pandemia e a guerra na Ucrânia. Essa nova realidade já fez naufragar a Parceira Transatlântica, acordo entre Estados Unidos e União Europeia que foi apontado, no nascimento, como a versão contemporânea dos acordos de livre-comércio, apresentada em 2013, 14 anos antes do lançamento da sempre adiada aliança UE-Mercosul.