Nomes de operações da Polícia Federal costumam mandar recados. Portanto, não é à toa que a destinada a prender os suspeitos de ter mandado assassinar a então vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco se chame "Murder Inc.".
"Murder" significa assassinato ou assassino, em inglês, e "Inc." é a forma mais popular de identificar um negócio no Estados Unidos. Indo um pouco além, designa o processo pelo qual os empreendedores separam sua pessoa física da jurídica para proteger ativos individuais. É abreviatura de "incorporation", que transforma uma atividade, digamos, de fundo de quintal em uma entidade legal.
Mesmo na capital que já abrigou o "Escritório do Crime" - desativado, até onde se sabe -, a prisão do indivíduo que havia sido indicado para ocupar a secretaria de Polícia Civil uma semana antes do assassinato - e assumiu o cargo na véspera dos tiros -, Rivaldo Barbosa, ainda é um choque.
Quem promoveu Barbosa, na época responsável pela Delegacia de Homicídios foram outros personagens conhecidos: os generais Braga Netto e Richard Nunes, respectivamente interventor do governo Temer na segurança pública do Rio e secretário da área nesse período. A então autoridade máxima da polícia é suspeita não apenas de tentar encobrir os envolvidos, mas de participar dos preparativos para o assassinato.
Ainda é preciso conhecer as provas e ouvir os presos. Mas caso as investigações confirmem, esse é o grande choque da resolução do assassinato de Marielle à la Colômbia dos anos 1990 - o que o Brasil foi durante seis anos e 11 dias, enquanto não houve resolução do crime. Os motivos ainda não estão suficientemente claros. Já se especulou sobre uma vingança pessoal, mas por mais que os mandantes tivessem um aliado de peso ao lado, a relação custo-benefício seria alta para uma "Inc."
Ainda é preciso demonstrar a suspeita que surgiu quase imediatamente depois do assassinato: a de que a então vereadora era um obstáculo para a expansão das atividades da milícia carioca. Essa, sim, seria uma motivação "Inc.". Marielle prejudicava os negócios e precisava ser neutralizada. Com uma autoridade estadual supostamente garantindo impunidade, o custo-benefício baixava consideravelmente.
Não é nada que a ficção já não tenha apontado - basta ver Tropa de Elite 1 e 2 -, mas agora o que se enfrenta é a dura realidade de que o Brasil não está longe da Colômbia dos anos 1990. A operação tem base na delação de quem disparou o gatilho, o ex-policial militar Ronnie Lessa. Os mandantes foram os irmãos Brazão - Domingos, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio, e Chiquinho, deputado federal pelo União Brasil. O presidente do partido, Antonio de Rueda, disse ao jornal O Globo que avalia expulsar o parlamentar ainda neste domingo (leia aqui).
Atualização 1: depois da quebra de sigilo do despacho do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do relatório da Polícia Federal, a causa do assassinato ficou mais clara. Ele afirma que "a divergência política em relação à regularização fundiária de condomínios da zona oeste do Rio" está por trás do crime. A então vereadora Marielle ajudou a travar um projeto que regularizava um condomínio em Jacarepaguá, sem respeitar o critério de área de interesse social. O objetivo seria obter o título de propriedade para especulação imobiliária. O relatório da investigação da PF diz que "inexistem dúvidas" sobre motivação dos irmãos Brazão para o crime.
Atualização 2: em nota, os advogados do general Braga Neto afirma que todas as nomeações para cargos de liderança da Polícia Civil do Rio na época em que ele era interventor militar eram feitas pelo secretário da pasta. Conforme a nota, "por questões burocráticas, o ato administrativo era assinado pelo interventor federal". Ou seja, segundo a versão da defesa, Braga Neto "só assinou" a promoção de Rivaldo Barbosa, preso neste domingo (24) como autor intelectual do assassinato de Marielle Franco.
Atualização 3: o deputado Chiquinho Brandão, outro dos presos, já foi expulso do União Brasil.