O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço
Março chegou e, com ele, mais do que as águas da canção de Tom Jobim, uma extensa programação direcionada ao mês da mulher, cujo ápice acontece na próxima sexta-feira durante o 8M. Este ano, o Brasil terá as primeiras impressões sobre uma tentativa louvável de correção de distorções históricas.
Trata-se da Lei 14.611, que determina medidas para reduzir e terminar com a discriminação no ambiente de trabalho e estabelece a igualdade salarial entre mulheres e homens como um dos parâmetros.
Editado no ano passado, o texto reforça o que, de alguma maneira, já está previsto, porém ignorado, na CLT e na Constituição. Nas letras, é terminantemente proibido que o gênero seja usado como critério para diferenciação de rendimentos.
A lei vai mais longe. Contempla a ideia de combater a discriminação em relação a homens e mulheres negras, sexo, etnia, cor e raça. Para tanto, demanda a implantação de políticas mais contundentes nas empresas, sob pena de multas mais pesadas por descumprimento.
O teste de fogo deverá acontecer no próximo dia 15. É que a principal novidade é o fato de todas as empresas, com mais de cem colaboradores, terem de publicar, a cada seis meses, um relatório de transparência salarial. Significa tornar pública a ferramenta de verificação das práticas, inclusive, com proporcionalidade de mulheres em cargos de chefia.
De acordo com o texto, quando constatadas diferenças salariais, começa a correr prazo de 90 dias para elaboração de um plano de ação capaz de corrigir a desigualdade apurada, em conjunto com os sindicatos das categorias. Além disso, está prevista a publicitação desse relatório em site e redes sociais. É nesse ponto que, conforme explica o doutor em Direito, advogado trabalhista e sócio da TozzineFreire, Maurício Carvalho Góes, começam os temores.
Ele lembra que, na falta de regulamentação, um decreto e uma portaria deixaram sob a responsabilidade do Ministério do Trabalho a elaboração do relatório. Com os dados do e-social, usados para a publicação do Caged, a pasta complementará as informações com base em um questionário, cujo prazo de preenchimento se encerrou na quinta-feira passada.
A partir desse cruzamento dos dados, será possível chegar à diferença de salário médio entre mulheres e homens no mercado de trabalho formal do país. O problema, explica Góes, é que os critérios não estão claros. Além disso, acrescenta, a opção por usar a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) – considerada desatualizada por não captar a diferenças de níveis em cargos e funções – poderá dar vazão a informações não condizentes com a realidade, que é, sim, de maior predomínio de homens entre os maiores salários nos mais variados setores.
Atento aos receios, o Instituto Nacional de Proteção de Dados (INPD) já solicitou prorrogação de prazos , com base na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e por entender que deveria haver mais esclarecimentos sobre o processo, uma vez que em empresas de menor porte seria possível, ainda que resguardado o anonimato, deduzir quem ocupa determinados cargos e a respectiva remuneração.
No meio do imbróglio, o jornalista que assina essa coluna torce para que o relatório traga, de fato, mais respostas do que dúvidas. E que o primeiro contato com uma lei louvável, como a 14.611, sirva para acabar com a discriminação no mercado de trabalho, e não para dar origem a série de demandas judiciais sobre os métodos usados pelo Ministério.