Foi preciso que a coluna desse a informação de que o Espírito Santo já publica a lista das empresas que recebem benefícios fiscais para tirar da gaveta uma relação que o Rio Grande do Sul também já faz desde 2017, sem visibilidade.
A coluna recebeu da Secretaria da Fazenda a lista publicada em junho e atualizada até dezembro de 2022 — no próximo ano, será atualizada com os nomes de 2023. Ainda não é a relação com valores que, na avaliação da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), está liberada de sigilo fiscal desde 2021. Mas é um avanço.
Até agora, no Rio Grande do Sul só o Tribunal de Contas do Estado e outros órgãos de controle recebem a informação completa com todos os dados. Como a coluna vem informando, esse tipo de incentivo vem ganhando atenção no debate político por se tratar de um gasto tributário.
Isso significa que o poder público destina ao setor privado uma fatia considerável da arrecadação destinada a prestar serviços à população. No caso dos incentivos baseados no ICMS, os recursos vêm de qualquer consumidor, mesmo dos que compram apenas o básico para sobreviver.
Esse é o principal motivo para que a lista com valores seja liberada de sigilo. Assim como todas as políticas públicas, é preciso colocar sob escrutínio dos cidadãos a eficácia dessa que usa recursos da população para apoiar negócios. Em alguns casos, faz todo sentido: ajuda a gerar emprego e renda e retorna para os cidadãos sob a forma de desenvolvimento econômico. Em outros, é discutível. Mas sempre é legítimo que o financiador — neste caso, o consumidor — saiba como está sendo aplicado seu aporte.
Já há dois pedidos de abertura de dados por empresa - com os valores - feitos pelos deputados estaduais Delegado Zucco (Republicanos) e Pepe Vargas (PT).
A questão do sigilo
Até há dois anos, não era possível publicar listas de benefícios acompanhadas dos valores porque a informação era considerada parte do sigilo fiscal das empresas. No entanto, a lei complementar 187, de 16 de dezembro de 2021 — do governo passado, portanto — tirou da regra de proteção "incentivo, renúncia, benefício ou imunidade de natureza tributária cujo beneficiário seja pessoa jurídica".
Até agora, os Estados ainda não se ajustaram à mudança, em tese porque ainda existem diferentes interpretações sobre a mudança na regra. No entanto, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), recomenda que os órgãos fiscalizadores (leia a íntegra clicando aqui) prestem contas completas da aplicação desses recursos.
Fatos & dados
Em 2022, o pacote total de incentivos de ICMS somou R$ 11,87 bilhões. Isso significa que o Estado, em vez de arrecadar todo o seu potencial - valor que seria alcançado sem benefícios - de R$ 55,12 bilhões, teve "apenas" R$ 43,25 bilhões para arcar com as despesas públicas.
O principal instrumento aplicado pelo Rio Grande do Sul é o crédito presumido, que representa quase a metade do total (45,3%). Como a coluna já explicou, o "presumido" significa que o Estado "supõe" um crédito que, na verdade, não existe - por isso é preciso presumir (no dicionário, é "tirar conclusão antecipada, baseada em indícios e suposições, e não em fatos comprovados").
De 2014 a 2022, a concessão de crédito presumido a empresas gaúchas duplicou, sem correção pela inflação. Somava R$ 2,65 bilhões há 10 anos e alcançou R$ 5,38 bilhões no ano passado. Neste ano, está em R$ 4,25 bilhões só até outubro.
A indústria é o setor mais beneficiado, com 80% dos incentivos. Os outros 20% são divididos entre atacado (16,5%), serviços (3%) e varejo (o,7%).
Na indústria, o segmento mais beneficiado é o de beneficiamento de leite, com R$ 939 milhões no ano passado. O segundo lugar também tem quatro patas no campo: é o de frigoríficos de bovinos, com R$ 571 milhões. O terceiro não tem patas, mas também é agroindústria: as fábricas de biodiesel tiveram incentivo fiscal de R$ 339 milhões em 2022.
Além do crédito presumido, os outros dois tipos de incentivos com base no ICMS são as isenções - quando simplesmente não se cobra - e base de cálculo reduzida - redução artificial do valor sobre o qual a alíquota incide. Todos servem para dar competitividade a empresas. Ainda existem regimes especiais de cobrança cuja base é a legislação nacional, como o microempreendedor individual (MEI) e o Simples, para pequenas e microempresas.
Ainda existem desonerações em outros dois impostos estaduais, o conhecido IPVA, pago todos os anos por proprietários de veículos, e o menos usual ITCD, que incide sobre heranças e doações. Com isso, o total geral de de benefícios chegou a R$ 13,74 bilhões no ano passado.