Como a coluna já relatou, não há impedimento legal para informar quanto cada empresa recebe de incentivo fiscal pelo menos desde 2021. Ao contrário, a entidade que representa os Tribunais de Conta de todos os Estados recomenda a publicação.
Um Estado decidiu publicar a lista dos CNPJs que são beneficiados pela distribuição de dinheiro arrecadado de contribuintes e consumidores ainda antes disso. Como assim? É que a lista do Espírito Santo não tem um detalhe importante: os valores com os quais cada beneficiada foi contemplada.
A informação é relevante porque havia a histórica justificativa do sigilo fiscal para não revelar detalhes sobre como, afinal, são destinados recursos recolhidos da população. O tema entrou em debate no Rio Grande do Sul com os decretos do governador Eduardo Leite prevendo cortes nesse tipo de benefício. No Estado, cerca de um quinto (21,5%) de toda a arrecadação potencial de ICMS não entra nos cofres públicos por esse tipo de renúncia fiscal.
É bom lembrar que as empresas são meras repassadoras desse dinheiro, cobrado de todos os que compram um litro de leite ou um pão, já que o ICMS é um imposto sobre o consumo. Tem extinção completa prevista para 2033 com a reforma tributária, mas será preciso conviver com essas regras ao menos por mais uma década.
Para lembrar, a lei complementar 187, de 16 de dezembro de 2021 - portanto do governo passado - criou exceções ao sigilo fiscal. Ficaram fora da regra de proteção, portanto, “incentivo, renúncia, benefício ou imunidade de natureza tributária cujo beneficiário seja pessoa jurídica".
Ao recomendar que os dados sejam publicados, a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), lembra que "a renúncia de receita também é chamada de gastos indiretos, já que o Estado deixa de arrecadar ao conceder benefícios tributários a atores privados para incentivar a economia de determinados setores ou visando a beneficiar populações vulneráveis".
Ao publicar a lista (leia clicando aqui), o então secretário de Controle e Transparência, Edmar Camata, afirmou que "saber quais são os incentivos e melhorar a governança nesse processo é algo que favorece o desenvolvimento" e que ao publicar a lista "o Estado cumpre (...) o compromisso em transparência, sem esquecer da sua responsabilidade como indutor do crescimento sustentável.
No entanto, nem depois da mudança na legislação federal que retirou o sigilo de informações sobre incentivos e renúncias fiscais os capixabas passaram a publicar os valores na lista, que pode ser conferida com um clique aqui. Na página que apresenta os dados, o Estado do Espírito Santo observa que "os incentivos fiscais são benefícios concedidos pela administração pública para alguns setores econômicos, com objetivo de impulsionar o investimento, crescimento ou geração de empregos em um setor ou atividade econômica".
O Espírito Santo, assim como Santa Catarina, é frequentemente citado por empresários gaúchos como modelo de relação entre o setor produtivo e o governo do Estado. No Rio Grande do Sul, dois deputados já pediram a abertura dos dados por empresa: o estadual Delegado Zucco (Republicanos) e o federal Pepe Vargas (PT).
Fatos & dados
Em 2022, o pacote total de incentivos de ICMS somou R$ 11,87 bilhões. Isso significa que o Estado, em vez de arrecadar todo o seu potencial - valor que seria alcançado sem benefícios - de R$ 55,12 bilhões, teve "apenas" R$ 43,25 bilhões para arcar com as despesas públicas.
O principal instrumento aplicado pelo Rio Grande do Sul é o crédito presumido, que representa quase a metade do total (45,3%, veja o gráfico lá em cima). Como a coluna já explicou, o "presumido" significa que o Estado "supõe" um crédito que, na verdade, não existe - por isso é preciso presumir (no dicionário, é "tirar conclusão antecipada, baseada em indícios e suposições, e não em fatos comprovados").
De 2014 a 2022, a concessão de crédito presumido a empresas gaúchas duplicou, sem correção pela inflação. Somava R$ 2,65 bilhões há 10 anos e alcançou R$ 5,38 bilhões no ano passado. Neste ano, está em R$ 4,25 bilhões só até outubro.
Além do crédito presumido, os outros dois tipos de incentivos com base no ICMS são as isenções - quando simplesmente não se cobra - e base de cálculo reduzida - outro tipo de ficção, a diminuição artificial do valor sobre o qual a alíquota incide. Todos servem para dar competitividade a empresas. Ainda existem regimes especiais de cobrança cuja base é a legislação nacional, como o microempreendedor individual (MEI) e o Simples, para pequenas e microempresas.
Ainda existem desonerações em outros dois impostos estaduais, o conhecido IPVA, pago todos os anos por proprietários de veículos, e o menos usual ITCD, que incide sobre heranças e doações. Com isso, o total geral de de benefícios chegou a R$ 13,74 bilhões no ano passado.