Se já era intolerável que 2,5 milhões de pessoas ficassem sem luz no feriadão em São Paulo e parte da região metropolitana, o prazo dado pela concessionária para normalizar o serviço até a terça-feira não foi cumprido e ainda há milhares de clientes sem abastecimento. Aí, o que era uma espécie de apagão virou caos, com protestos nas ruas e até um PM ferido em confronto.
A combinação entre falha de planejamento e ineficiência transformou um episódio que poderia ter sido apenas um incidente tolerável em um momento de xeque para as privatizações, inclusive pelos antecedentes no Rio Grande do Sul.
Uma das manifestações mais ruidosas de políticos sobre o caso envolve não apenas a privatização do serviço de energia elétrica, feita em 2018, mas a decisão do governo do Estado de São Paulo de privatizar a Sabesp, a estatal de água e saneamento. E, curiosamente, não partiu da esquerda, mas da direita.
Ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro, Fábio Wajngarten faz parte de um grupo de economistas e advogados que vai tentar barrar no Supremo Tribunal Federal (STF) a capitalização da Sabesp, uma das principais promessas de campanha do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que foi ex-colega de equipe em Brasília. E para reforçar a crítica ao ensaio de venda da companhia de água e saneamento, protestou contra o transtorno provocado por "grupos tão incompetentes" ainda no sábado, quando faltava luz há "apenas" 30 horas.
Ao justificar a ação contra a venda da Sabesp, Wajngarter disse à colunista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, que se trata de um "ativo estratégico" e que "existe uma direita preocupada com a soberania do país". Detalhou que essa preocupação com soberania foi "ensinada" por Bolsonaro e repetiu um slogan de seus supostos adversários políticos:
— Não faz sentido sairmos do monopólio público para cair no monopólio privado. Não podemos deixar a população refém de grupos empresariais que mal conhecemos.
A Enel, que tanta dor de cabeça está provocando nos paulistanos, é nada menos do que a ex-estatal de energia da Itália, nascida em 1962 com a fusão de cerca de mil geradores de eletricidade e privatizada em 1999. Então, ao menos no mundo, é bastante conhecida. Conhecimento e capacidade, em tese, não faltam.
Embora o apagão em São Paulo tenha se tornado uma arma política contra a privatização da Sabesp à esquerda e à direita, é preciso observar que os mais potentes argumentos de defesa e de ataque à desestatização surgem de sua prática: se uma gestão eficaz depõe a favor, seu oposto obviamente causa efeito contrário.
E tanto no caso de São Paulo quanto no do Rio Grande do Sul há um agravante multiplicador desse efeito rebote: além da demora na normalização do abastecimento acima da aceitável e compreensível, as empresas responsáveis por um serviço público essencial dificultam a comunicação de quem consome - e paga - pelo atendimento. Se a privatização por importante para essas companhias, precisa de melhores defensores.